Cade dificilmente aprovará fusão de Azul e Gol nos moldes originais, diz especialista
Conversamos com Cleveland Prates, professor de Economia na FGV Direito SP e ex-conselheiro do Cade
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) terá muito trabalho para analisar a possível fusão entre Azul e Gol, anunciada nessa quarta-feira (15). O tema é tão complexo que dificilmente o Cade vai aprovar o acordo do jeito que foi apresentado por esbarrar nas características do mercado brasileiro.
Foi o que disse Cleveland Prates Teixeira, professor de Economia na FGV Direito São Paulo, bacharel em Ciências Econômicas pela USP, sócio-diretor da empresa Microanalysis e ex-conselheiro do Cade, em entrevista ao Portal PANROTAS para tentar esclarecer os entraves desta operação.
"Há pouquíssimas justificativas plausíveis para a fusão sair do papel. Vai depender de uma operação muito detalhada. Eu duvido que a fusão será aprovada do jeito que estão propondo por conta não só da concentração de mercado, mas também pela característica do setor aéreo brasileiro. O slot é hoje a principal barreira para a evolução do nosso mercado, sem falar na dificuldade de termos novas companhias operando no Brasil"
Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade
Cleveland trabalhou na área regulatória do governo federal e afirma que: o consumidor tem muito a perder. "O que é bom para o mercado, não é bom para o consumidor e vice-versa. A questão chave desta fusão é a precificação dos bilhetes, o que poderia afetar o consumidor. Uma fusão aumentaria a margem de lucro, algo que os investidores iriam adorar, mas há contradição entre os dois lados", disse ele.
Cleveland afirma que esta operação irá exigir um grau de análise bastante complexo, já que duas questões acabaram sendo deixadas de lado em todo este processo: a questão da sobreposição de rotas e a preocupação concorrencial, fatores que dificultam a entrada de novas empresas no mercado.
"Eles bateram muito na tecla sobre a questão da sobreposição de rotas que é muito baixa e que, por conta disso, não haveria preocupação. Isso não é verdade num setor que tem economia de hub! Então, estamos tratando de uma operação de concentração de slots em aeroportos chaves, o que dificulta a entrada de novas empresas no mercado. Nossa preocupação tem relação com as mudanças de incentivo neste mercado"
Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade
Sobre a preocupação concorrêncial, o executivo teme a estratégia predatória em aeroportos centrais. "Quando você tem uma empresa com vários slots em um importante aeroporto, se houver tentativa de uma outra companhia atuar na mesma rota, rapidamente esta empresa pode redirecionar o slot para esta rota, aumentando oferta e reduzindo o preço de determinado período. Trata-se de uma estratégia predatória, que inviabiliza a entrada de novos players. E nem é preciso adotar! Só das concorrentes olharem para um mercado como nosso, numa possível fusão, vão entender o que está acontecendo e irão desistir de operar no Brasil", destacou Cleveland.
Codeshare foi o começo de tudo
Cleveland Prates lembra que o anúncio de codeshare entre Azul e Gol, em maio de 2024, já começou a mostrar as reais intenções das companhias. "Começamos a perceber que já houve restrições de rotas por partes das empresas", disse ele ao lembrar do canncelamento recente de diversos voos da Azul.
"Há uma frase de John Rodgerson, CEO da Azul, que contradiz todos os argumentos. Se olharmos o codeshare lá atrás, quando começou, e hoje, já houve redução nesta sobreposição de rotas. Era uma sinalização de que isso iria acontecer. Isso traz menos incentivos para concorrer e faz com que os acionistas passem a ser da mesma empresa. Ele disse que as empresas permanecerão separadas, por isso vai ter concorrência. Bobagem, porque os acionistas são os mesmos!"
Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade
Cleveland lembra que a análise precisa ser complexa para verificar se essa fusão tem justificativas plausíveis, visto que trata-se de uma operação que pode afetar o consumidor. "É preciso entender se a eficiência vai suplantar o risco à concorrência ou à situação de alguma companhia para justificar a fusão", disse ele.
Fusão fará Azul e Gol ganharem escala com fornecedores?
O ex-conselheiro do Cade tem suas dúvidas, já que são empresas com características distintas e frotas distintas. Ele lembra que é um fator que não justifica o ganho de escala. "Eles dizem que vão manter as operações separadas, mas como reduzir custos num ambiente com esse?", indagou Cleveland.
"Não compro essa ideia. A eficiência poderia ser obtida de outra maneira. Será que não poderíamos resolver esse problema de uma maneira melhor do que a concentração de mercado? Isto porque temos outras formas de resolver problema sem precisar de concentração. Do ponto de vista do consumidor e de análise do Cade, não poderia ser justificável. A fusão poderia criar uma empresa grande demais. Por diversos aspectos, não vai ser simples esta aprovação"
Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade
Sobre a questão da fusão fazer com que as companhias passem a comprar mais aeronaves da Embraer, Prates questiona se a Embraer é mesmo ideal para as rotas que estão sendo tratadas. "Não vai aumentar o custo deste serviço em relação a outras aeronaves? Eu realmente acho que eles (Azul e Abra) não entenderam o que eles mesmos apresentaram. É algo muito contraditório", finalizou o ex-conselheiro do Cade.