Jurema Monteiro, presidente da Abear, e o futuro da aviação no Brasil
Responsável pela entidade no País falou à Revista PANROTAS Especial 50 anos; confira
O setor de aviação comercial passou por muitas, muitas mesmo, transformações nas últimas cinco décadas. Companhias aéreas deixaram de existir, novas surgiram, a tecnologia evoluiu facilitando os processos, uma pandemia sem precedentes mudou todo o cenário das viagens aéreas e mais pessoas passaram a viajar.
A Abear, fundada em 2012 com o objetivo de implementar e apoiar ações e programas que promovam o crescimento sustentável da aviação civil, tem, desde o seu surgimento, papel importante na indústria.
Sua presidente, Jurema Monteiro, destrincha o setor e o futuro dele, além de seu papel como mulher – e mulher preta – na liderança de uma entidade importante como esta na matéria abaixo, que faz parte da Revista PANROTAS Especial 50 anos. Boa leitura!
Aviação há 50 anos, aviação para o futuro
Em 1974 – quando nascia a PANROTAS – o cenário da aviação comercial brasileira era bem diferente. O setor se encontrava em uma fase de amadurecimento, acompanhando o desenvolvimento econômico mundial e o aumento da demanda por transporte aéreo. Eram quatro as companhias aéreas nacionais que dominavam o mercado e que hoje já não existem mais: Varig, Vasp, Cruzeiro do Sul (incorporada depois pela Varig) e Transbrasil.
No ano em questão, foram transportados cerca de 8,7 milhões de passageiros, sendo a maioria em voos domésticos. No entanto, o setor enfrentava problemas, especialmente após a crise do petróleo de 1973, que causou um aumento expressivo no preço dos combustíveis. Os custos operacionais das aéreas foram diretamente impactados, passando a sofrer com a inflação e dificuldades financeiras.
Trinta anos depois, nos anos 2000, a aviação viveu uma verdadeira revolução, com o surgimento de novas áreas brasileiras – Azul, Gol e Latam (após fusão da Lan com a Tam) –, novas tecnologias, novas formas de relacionamento com o trade entre si (agências de viagens e operadoras) e um novo tamanho da indústria.
“Vinte anos atrás, o Brasil tinha um modelo de aviação regulado, o Estado dizia qual seria a rota operada e o preço praticado. Era assim no mundo inteiro, mas paulatinamente o ambiente regulatório foi mudando e o Brasil foi um dos últimos países a fazer essa movimentação para ter uma liberdade de rotas e tarifária, em 2005”
Jurema Monteiro, presidente da Abear
É aí que entra muito a Abear, fundada em 2012, que tem como pilar de defesa a manutenção e o fortalecimento da política de liberdade tarifária. Segundo Jurema, essa legislação deixa o Brasil mais alinhado e traz mais competitividade.
“Com a liberdade, vimos um ambiente mais competitivo, um novo modelo de negócios, já que não era mais o Estado que decidia quem voava para onde e, sim, as empresas. Novas companhias aéreas surgiram, a Tam, que era regional, cresceu, virou nacional, se fortaleceu. A Gol sofreu processos de aquisição (com a compra da Webjet e do que sobrou da Varig). Então houve uma movimentação muito grande no setor”, complemente a executiva.
Aviação nos dias atuais – e muitos desafios
Naquela época, no início de 2000, a aviação registrava 30 milhões de passageiros por ano. Em 2019, e agora novamente em 2023, foram 112 milhões de pessoas transportadas tanto nacional quanto internacionalmente. Para Jurema, este grande salto se deve a uma série de fatores.
“Os 30 milhões de todo o setor no começo dos anos 2000 significam menos de uma aérea, em termos de comparação. Tivemos uma revolução na matriz de transporte. Naquele tempo, 70% viajavam dentro do Brasil e o faziam de ônibus. Hoje, 70% viajam de avião. Incluímos mais gente na cesta de consumo, muitos brasileiros que não iam de avião passaram a viajar, o transporte aéreo se apresentou e aí vieram os desafios. Com o crescimento da demanda, a infraestrutura não estava adaptada"
Jurema Monteiro
Entre 2006 e 2007, veio o caos aéreo. Os aeroportos não tinham capacidade para a quantidade de pessoas que começaram a voar. Nisto, o País criou o programa de concessões aeroportuárias, que visava à transferência da gestão de aeroportos para a iniciativa privada, com o objetivo justamente de melhorar a infraestrutura e a qualidade dos serviços oferecidos aos passageiros.
“Essa evolução é um marco para o setor nesses 20 anos e nesses 12 da Abear, mas com muitos desafios. O setor viveu um período muito duro em 2017 com a disparada de custos, variação de câmbio, e em 2020 a pandemia marcou toda a nossa história. Mas nossa indústria sobreviveu e temos no Brasil uma vitória, que é o fato de termos todas as empresas aéreas, vivas e fortes, e sem nenhum ajuda pública”, pontua Jurema Monteiro.
E o futuro da aviação? Crescimento, por favor
O maior dever para o futuro da aviação comercial brasileira é pensar de quais condições o mercado precisa para reestabelecer os números de antes. No ano passado, o setor cresceu 15% o montante de passageiros em relação a 2022, mas, na verdade, este índice foi apenas uma retomada do que era o setor em 2019, que já não crescia desde 2017.
Por isso, a presidente da Abear aponta que é preciso melhorar as condições para as empresas terem menos custos e mais demanda. Ela conta que 60% dos gastos das companhias aéreas são dolarizados, sendo 36% referentes a combustível. Há ainda questões tributárias, preocupação sobre o excesso de judicialização, insegurança jurídica, sem contar a agenda ambiental.
“O Brasil, como um todo, é pressionado pela ampliação da demanda. A distribuição de renda para que mais pessoas consigam viajar de avião é fundamental para o setor crescer. Precisamos ampliar isso, dar oportunidade para mais pessoas poderem voar. Com o custo reduzido, as companhias competem e geram mais oferta, mas é necessário ter mais gente voando”
Jurema Monteiro
E, claro, o tema da descarbonização não pode ficar de lado. Não somente na aviação, mas em todos os setores, uma vez que a mudança climática está aí e afetando cidades e Estados inteiros – como a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul.
“Em Porto Alegre perdemos o Aeroporto Salgado Filho por mais de 170 dias, uma infraestrutura superimportante. Voltou a operar no dia 21 de outubro, mas mostrou para nós o quanto temos de cuidar. O setor tem uma agenda bastante desafiadora, de longo prazo, e nós, como entidade, estamos muito comprometidos”, afirma a dirigente da Abear.
Importância de estar onde está
Jurema Monteiro está há 30 anos no Turismo, sendo nove deles na Abear – desde quase o surgimento da associação. Trabalhou ao lado do saudoso Eduardo Sanovicz, que ajudou a construir a entidade e foi também um dos principais representantes da aviação comercial no País. Sucedeu a Edu (falecido em setembro de 2023) em maio do ano passado, tendo com ela todo seu apoio e confiança.
Não há como não citar os desafios de ser mulher – e mulher preta – na liderança de uma associação em uma indústria que costuma ser predominantemente liderada por figuras masculinas. O assunto está sempre em pauta, o tema diversidade é constantemente debatido, mas, na prática, ainda não foi superado e ainda deixa muito a desejar.
“Mulheres ainda são minorias, pessoas pretas em liderança também. Mas, essa posição que nós alcançamos, líderes femininas e líderes negros, se deve a um passado construído, por muitas pessoas que lutaram para esse caminho. E, no meu caso, houve um homem branco que meu deu essa oportunidade, que foi o Edu [Sanovicz], aliado ao meu esforço”
Jurema Monteiro
Diante deste cenário e desses obstáculos que a inclusão e diversidade como um todo enfrentam, a líder da Abear reflete que, como um desafio pessoal seu, mas também de um coletivo, é preciso estar de fato engajado e não somente dar acesso, mas também as condições para que a pessoa permaneça.
“Sou muito feliz e agradecida pela oportunidade que tive. Também entendo que devo a ela essa conjuntura que trouxe e tenho plena consciência do que ela representa para muitas outras pessoas. Principalmente o que ela significa em termos de outras mulheres que têm a capacidade de ir atrás e batalhar”, conclui a presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas.
Revista PANROTAS Especial 50 anos
O conteúdo acima é parte integrante da Revista PANROTAS Especial 50 anos, que você pode conferir na íntegra abaixo: