Advogados antiéticos e clientes mal intencionados inflamam judicialização
Iata, FBHA e Abav Nacional debateram os processos que fream o desenvolvimento do Turismo no Brasil
BRASÍLIA (DF) - Imagina um Brasil com menos voos, menos conectividade aérea e menos agências de viagens. Por outro lado, imagina um País com passagens aéreas, diárias em hotéis e pacotes turísticos cada dia mais caros. E se a gente informar que tudo isso já é uma realidade? Culpa da judicialização.
Neste sábado (28), último dia de Abav Expo, a Arena Especialização recebeu um debate justamente sobre a judicialização no Turismo. Participaram o diretor da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional, Marcelo Oliveira, o diretor de Relações Externas da Iata, Marcelo Pedroso, e a assessora jurídica da FBHA, Lilian Cavalheiro, com mediação do presidente da Abav-MS, João Evaristo.
"A pessoa nem viajou ainda, mas já tem o slogan na cabeça: 'tomara que dê algo errado para que eu consiga pensar num processo e ganhar minha próxima viagem'. Mas o que mais me incomoda é quanto o nosso próprio setor de advogados vem comprometendo todo um sistema. Eu vejo colegas hoje impulsionando este negócio (judicialização). Isso é insano e não é a melhor atividade advocatícia. É algo antiético, com direito a planos ofertados no mercado"
Marcelo Oliveira, assessor jurídico da Abav Nacional
Marcelo Pedroso, da Iata, lembra que esta é uma dor de todo o setor, já que 98% das ações cíveis contra as companhias aéreas acontecem no Brasil, que gastam R$ 1 bilhão em judicialização todos os anos, além de R$ 36 bilhões em despesas e pagamentos. Se somar todos os entes e gastos judiciários, o valor chega a R$ 100 bilhões.
"Isso num país em que 88% dos voos decolam e pousam no horário. O excesso de judicialização é uma trava para o setor aéreo brasileiro. O Brasil responde por 2,7% dos voos de todo o mundo e por 90% das ações judiciais. A judicialização é um grande desafio aéreo, que constrange e dificulta a atração de novos players. Desde 2017, o Brasil autoriza a operação de companhias aéreas brasileiras com 100% de capital estrangeiro e até hoje não surtiu efeitos"
Marcelo Pedroso, diretor de Relações Externas da Iata
A assessora jurídica da FBHA, Lilian Cavalheiro, lembrou que o Brasil tem 1.783 processos por um milhão de habitantes. Nos Estados Unidos, são 700!
"A judicialização é o nosso grande problema para o desenvolvimento. E os processos não vão acabar porque o direito judiciário é uma democracia, mas temos uma forma de minimizar isso que seriam os precedentes normativos vinculantes. Além disso, o judiciário está olhando para dentro por conta do número de processos. E uma das soluções e usarmos a inteligência artificial, pegando todos os processos em termos repetitivos para serem julgados de uma mesma maneira. Já tem legislação institucional para isso, o que precisamos é coragem! E isso passa também, no caso dos bares, restaurantes e meios de hospedagem, por aprimorar o atendimento profissional para que possamos diminuir os motivos de possíveis ações na justiça"
Lilian Cavalheiro, assessora jurídica da FBHA
Agência de viagens ainda paga a conta no final de tudo
Marcelo Oliveira afirma que a agência de viagens tenta ajudar a diminuir a judicialização, mas lembra que elas não são proprietárias de nada e acabam assumindo riscos por conta de seus fornecedores.
"Não somos proprietários de nada. Fazemos tudo certo, assistimos, informamos e realizamos as viagens e ainda pagamos a conta no final pelo 'caldo desandar'. Pelo menos este é um tema já escalado em Brasília, envolvendo um cenário compromissado em achar uma solução, como o próprio Governo Federal via MTur. A sensibilidade é que o agenciamento não é proprietário dos serviços que comercializa. O agenciamento não tem autonomia, porque as regras são dos fornecedores. Logo, assumimos um risco gigantesco. Tem muitas agências pagando X vezes mais do que ganha"
Marcelo Oliveira, assessor jurídico da Abav Nacional
Qual é a culpa da companhia se o tempo mudou?
Marcelo Pedroso, por fim, destacou que não adianta punir as companhias aéreas, em caso de atrasos de voos ou cancelamentos, se a culpa não é delas. Além disso, ainda há os sites abutres. Recentemente, a OAB derrubou 45 deles, mas, como disse Pedroso, é como enxugar gelo. E isso é impulsionado também pelas redes sociais.
"Existe uma lógica de proteção efetiva do consumidor nos serviços de maneira geral, quando se aplica o Código de Defesa do Consumidor. Mas ainda que haja punição, atrasos e cancelamentos vão continuar existindo para preservar o fator numero 01 da aviação que é a segurança. Temos 82% dos voos saindo no horário, enquanto nos EUA são 74%, com uma regularidade que beira os 100%. Isso não significa que atrasos e cancelamentos não irão ocorrer, já que as companhias aéreas dependem de terceiros, de gestores de aeroportos e de questões meteorológicas. São elementos destes cosmos que atuamos, em conjunto com operadores privados, governo e companhias aéreas, que fazem com que o resultado da operação não possa ser atribuida exclusivamente a companhia aérea. Nosso problema não é nem o volume de ações na Justiça, mas relacionadas a aplicação do dano moral não presumido e não comprovado que tem tido um resultado na justiça que faz com que nosso mercado perca competitividade. No final todo mundo perde com menos conectividade e passagens mais caras"
Marcelo Pedroso, diretor de Relações Externas da Iata