Para FecomercioSP, fusão Azul-Abra expõe obstáculos ao ambiente de negócios no Brasil
Preocupação da entidade é que união pode resultar em uma concentração relevante de mercado
Na semana passada, a Azul e a Abra, investidora majoritária de Gol e Avianca, anunciaram a assinatura do Memorando de Entendimento (MoU) não vinculante com a intenção de combinar seus negócios no Brasil. Segundo as companhias, a fusão "posicionará o Brasil em um nível maior de força global em um setor altamente globalizado".
O MoU, que inclui acordos de governança e estrutura de capital, formaliza a intenção da Azul e da Abra de avançar com os próximos passos em uma combinação de seus negócios e marca o início do processo de aprovações regulatórias.
Diante do anúncio, o Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) aponta preocupação com a possível fusão, que pode resultar em uma concentração relevante de mercado, já que as duas empresas, juntas, detêm aproximadamente 60% da demanda do setor aéreo brasileiro.
A operação ainda precisará passar pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que avaliará os impactos concorrenciais dessa fusão. O setor de aviação já é conhecido mundialmente por sua complexidade, especialmente em razão dos custos elevados e das operações repletas de entraves. No Brasil, entretanto, a fusão reforça a percepção de que o ambiente de negócios é especialmente hostil para empresas que desejem operar no ramo. Diante de um cenário marcado por instabilidade e ausência de reformas estruturais importantes, a tendência é de que o mercado caminhe para maior concentração, em vez de atrair novos players e estimular a competitividade.
A FecomercioSP avalia que o movimento de consolidação reflete, além de uma estratégia empresarial de ambas as companhias, a difícil conjuntura enfrentada pelo setor no País. Gol e Azul, em particular, vivem situações financeiras delicadas. Enquanto a primeira encontra-se em processo de saída de uma recuperação judicial, a segunda concluiu, no fim de 2024, uma renegociação de dívidas com credores. A Latam encerrou há dois anos o próprio processo de recuperação judicial, evidenciando as dificuldades de operar no mercado aéreo brasileiro.
Obstáculos do ambiente de negócios para a aviação nacional
O primeiro ponto crítico identificado pela FecomercioSP diz respeito aos elevados custos operacionais. Aproximadamente 60% dessas despesas, no Brasil, estão indexadas ao dólar, incluindo leasing de aeronaves e aquisição de peças e equipamentos, além do combustível de aviação, o QAV. Isso torna o setor altamente vulnerável às variações cambiais. Desde a pandemia, a volatilidade da moeda norte-americana se intensificou. Enquanto o dólar iniciou 2024 cotado abaixo de R$ 5, acabou ultrapassou os R$ 6 em alguns momentos, sobrecarregando o caixa das companhias.
Adicionalmente, a maior parte das receitas das empresas é em reais, o que potencializa o impacto negativo da desvalorização cambial. A ausência de políticas que promovam estabilidade econômica e ajustes fiscais estruturais contribui para a fragilidade contínua do real. A Entidade ressalta que um equilíbrio fiscal sólido seria fundamental para fortalecer a moeda nacional e aliviar a pressão sobre os operadores da aviação.
Outro fator que agrava a situação é o elevado custo financeiro enfrentado pelas companhias. Embora exista a possibilidade de obtenção de crédito externo com juros mais baixos, as empresas frequentemente recorrem ao crédito doméstico, no qual a taxa básica de juros (Selic) é mais alta. Atualmente em 12,25% ao ano (a.a.), a expectativa é de que alcance 14,25% nos próximos meses, conforme as projeções. Essa alta da Selic tem impacto direto não apenas sobre as empresas, mas também sobre os consumidores, que dependem amplamente de parcelamentos e outros tipos de crédito para adquirição de passagens. Esses juros elevados se refletem em um problema estrutural mais amplo da economia nacional — a instabilidade fiscal. Sem políticas claras que abordem o controle da dívida pública e a competitividade econômica, o ambiente de negócios segue prejudicado.
A judicialização excessiva das operações também se mostram um problema substancial para a aviação brasileira. O País concentra impressionantes 90% de todas as ações judiciais contra companhias aéreas no mundo, muitas das quais derivando de circunstâncias totalmente alheias ao controle das empresas, como questões climáticas, infraestrutura precária dos aeroportos regionais e limitações operacionais. Por exemplo, a ausência de equipamentos adequados ou condições mínimas para pousos e decolagens em situações adversas frequentemente causam atrasos, cancelamentos e reclamações judiciais. A precariedade da infraestrutura média aeroportuária, somada aos altos custos de litígios, coloca ainda mais pressão sobre o já fragilizado setor.
Finalmente, destaca-se a questão da carga tributária, que representa outro grande obstáculo para esse mercado. Embora a recente Reforma Tributária tenha trazido expectativas de alíquotas reduzidas para aviação regional, a alíquota-padrão permanece elevada, estimada em 28%.
Concentração de mercado e risco ao consumidor
Fusões e aquisições não são incomuns no mercado global, principalmente em setores tão desafiadores quanto o da aviação. No entanto, no Brasil, a união entre GOL e Azul não tem apenas como fundamento a busca por oportunidades estratégicas, mas se apresenta como uma saída para lidar com as dificuldades financeiras impostas por um ambiente econômico adverso.
A FecomercioSP alerta que a concentração de mercado poderá representar um risco adicional para os consumidores. Menos concorrência pode levar a aumentos substanciais nos preços das passagens e a uma possível redução na qualidade dos serviços, já que as empresas passam a operar com menos pressão competitiva. A Federação reforça a necessidade de reformas estruturantes urgentes no Brasil, com foco na melhoria do ambiente de negócios. Mudanças que facilitem a entrada de novas empresas no mercado aéreo seriam essenciais para ampliar a competitividade e oferecer opções mais acessíveis aos consumidores. Sem isso, o setor pode permanecer estagnado, com fusões se transformando em uma solução paliativa para problemas financeiros recorrentes, em vez de um real avanço estratégico.