Da Redação   |   21/01/2025 17:22

Para FecomercioSP, fusão Azul-Abra expõe obstáculos ao ambiente de negócios no Brasil

Preocupação da entidade é que união pode resultar em uma concentração relevante de mercado


Divulgação/FecomercioSP
FecomercioSP aponta preocupações acerca da fusão entre Azul e Abra
FecomercioSP aponta preocupações acerca da fusão entre Azul e Abra

Na semana passada, a Azul e a Abra, investidora majoritária de Gol e Avianca, anunciaram a assinatura do Memorando de Entendimento (MoU) não vinculante com a intenção de combinar seus negócios no Brasil. Segundo as companhias, a fusão "posicionará o Brasil em um nível maior de força global em um setor altamente globalizado".

O MoU, que inclui acordos de governança e estrutura de capital, formaliza a intenção da Azul e da Abra de avançar com os próximos passos em uma combinação de seus negócios e marca o início do processo de aprovações regulatórias.

Diante do anúncio, o Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) aponta preocupação com a possível fusão, que pode resultar em uma concentração relevante de mercado, já que as duas empresas, juntas, detêm aproximadamente 60% da demanda do setor aéreo brasileiro.

A operação ainda precisará passar pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que avaliará os impactos concorrenciais dessa fusão. O setor de aviação já é conhecido mundialmente por sua complexidade, especialmente em razão dos custos elevados e das operações repletas de entraves. No Brasil, entretanto, a fusão reforça a percepção de que o ambiente de negócios é especialmente hostil para empresas que desejem operar no ramo. Diante de um cenário marcado por instabilidade e ausência de reformas estruturais importantes, a tendência é de que o mercado caminhe para maior concentração, em vez de atrair novos players e estimular a competitividade.

A FecomercioSP avalia que o movimento de consolidação reflete, além de uma estratégia empresarial de ambas as companhias, a difícil conjuntura enfrentada pelo setor no País. Gol e Azul, em particular, vivem situações financeiras delicadas. Enquanto a primeira encontra-se em processo de saída de uma recuperação judicial, a segunda concluiu, no fim de 2024, uma renegociação de dívidas com credores. A Latam encerrou há dois anos o próprio processo de recuperação judicial, evidenciando as dificuldades de operar no mercado aéreo brasileiro.

Obstáculos do ambiente de negócios para a aviação nacional

O primeiro ponto crítico identificado pela FecomercioSP diz respeito aos elevados custos operacionais. Aproximadamente 60% dessas despesas, no Brasil, estão indexadas ao dólar, incluindo leasing de aeronaves e aquisição de peças e equipamentos, além do combustível de aviação, o QAV. Isso torna o setor altamente vulnerável às variações cambiais. Desde a pandemia, a volatilidade da moeda norte-americana se intensificou. Enquanto o dólar iniciou 2024 cotado abaixo de R$ 5, acabou ultrapassou os R$ 6 em alguns momentos, sobrecarregando o caixa das companhias.

Adicionalmente, a maior parte das receitas das empresas é em reais, o que potencializa o impacto negativo da desvalorização cambial. A ausência de políticas que promovam estabilidade econômica e ajustes fiscais estruturais contribui para a fragilidade contínua do real. A Entidade ressalta que um equilíbrio fiscal sólido seria fundamental para fortalecer a moeda nacional e aliviar a pressão sobre os operadores da aviação.

Outro fator que agrava a situação é o elevado custo financeiro enfrentado pelas companhias. Embora exista a possibilidade de obtenção de crédito externo com juros mais baixos, as empresas frequentemente recorrem ao crédito doméstico, no qual a taxa básica de juros (Selic) é mais alta. Atualmente em 12,25% ao ano (a.a.), a expectativa é de que alcance 14,25% nos próximos meses, conforme as projeções. Essa alta da Selic tem impacto direto não apenas sobre as empresas, mas também sobre os consumidores, que dependem amplamente de parcelamentos e outros tipos de crédito para adquirição de passagens. Esses juros elevados se refletem em um problema estrutural mais amplo da economia nacional — a instabilidade fiscal. Sem políticas claras que abordem o controle da dívida pública e a competitividade econômica, o ambiente de negócios segue prejudicado.

A judicialização excessiva das operações também se mostram um problema substancial para a aviação brasileira. O País concentra impressionantes 90% de todas as ações judiciais contra companhias aéreas no mundo, muitas das quais derivando de circunstâncias totalmente alheias ao controle das empresas, como questões climáticas, infraestrutura precária dos aeroportos regionais e limitações operacionais. Por exemplo, a ausência de equipamentos adequados ou condições mínimas para pousos e decolagens em situações adversas frequentemente causam atrasos, cancelamentos e reclamações judiciais. A precariedade da infraestrutura média aeroportuária, somada aos altos custos de litígios, coloca ainda mais pressão sobre o já fragilizado setor.

Finalmente, destaca-se a questão da carga tributária, que representa outro grande obstáculo para esse mercado. Embora a recente Reforma Tributária tenha trazido expectativas de alíquotas reduzidas para aviação regional, a alíquota-padrão permanece elevada, estimada em 28%.

Concentração de mercado e risco ao consumidor

Fusões e aquisições não são incomuns no mercado global, principalmente em setores tão desafiadores quanto o da aviação. No entanto, no Brasil, a união entre GOL e Azul não tem apenas como fundamento a busca por oportunidades estratégicas, mas se apresenta como uma saída para lidar com as dificuldades financeiras impostas por um ambiente econômico adverso.

A FecomercioSP alerta que a concentração de mercado poderá representar um risco adicional para os consumidores. Menos concorrência pode levar a aumentos substanciais nos preços das passagens e a uma possível redução na qualidade dos serviços, já que as empresas passam a operar com menos pressão competitiva. A Federação reforça a necessidade de reformas estruturantes urgentes no Brasil, com foco na melhoria do ambiente de negócios. Mudanças que facilitem a entrada de novas empresas no mercado aéreo seriam essenciais para ampliar a competitividade e oferecer opções mais acessíveis aos consumidores. Sem isso, o setor pode permanecer estagnado, com fusões se transformando em uma solução paliativa para problemas financeiros recorrentes, em vez de um real avanço estratégico.

Quer receber notícias como essa, além das mais lidas da semana e a Revista PANROTAS gratuitamente?
Entre em nosso grupo de WhatsApp.

Tópicos relacionados