Filip Calixto   |   17/01/2025 18:45

Fusão de Azul e Gol tem pontos positivos e preocupantes, analisa ex-secretário de Aviação

Ronei Glanzmann, que foi secretário Nacional de Aviação Civil, pondera impactos no mercado nacional

PANROTAS / Artur Luiz Andrade
Fusão pode ser a chave do fortalecimento das duas companhias ou um problema com a concentração de oferta
Fusão pode ser a chave do fortalecimento das duas companhias ou um problema com a concentração de oferta

Assunto principal deste começo de ano quando o tema é aviação, o movimento de fusão entre o grupo Abra — investidora majoritária de Gol e Avianca — e a Azul pode ser uma saída positiva para duas empresas, que sofreram com os efeitos da pandemia e ainda buscam recuperação, ou um preocupante movimento de concentração de oferta num mercado que já tem poucos players.

A análise é de Ronei Glanzmann, CEO da MoveInfra, ex-secretário Nacional de Aviação Civil e com experiência de mais de 16 anos no setor. Segundo ele, a fusão representa uma solução para problemas financeiros das empresas, mas também traz preocupações sobre os impactos para consumidores e o mercado doméstico.

Divulgação/Ministério Infraestrutura
Ronei Saggioro Glanzmann foi secretário Nacional de Aviação Civil até 2022 e também tem passagem pela Anac
Ronei Saggioro Glanzmann foi secretário Nacional de Aviação Civil até 2022 e também tem passagem pela Anac

Recuperação pós-pandemia e ganhos financeiros

Glanzmann destaca que o movimento tem um ponto muito positivo que é criar uma companhia brasileira forte e saudável financeiramente, com robustez para voltar a investir, o que é favorável para o conjunto do mercado como um todo. Segundo ele, do ponto de vista financeiro, a união pode ser crucial para fortalecer as companhias diante do impacto da pandemia, que gerou dívidas dolarizadas em ambas.

"As duas empresas saíram da crise gerada pela pandemia ainda operacionais, mas extremamente endividadas, com passivos dolarizados. Uma fusão poderia dar musculatura financeira para renegociar dívidas, renovar a frota e ampliar a capacidade de crédito"

explicou Ronei Glanzmann

Além disso, o especialista aponta que esse tipo de consolidação é uma tendência mundial no setor de aviação. "Isso está acontecendo no mundo todo. É um movimento natural e necessário para sobreviver em um mercado competitivo. Aqui, o CADE e a Anac farão as análises necessárias para garantir que o processo seja equilibrado".

O risco de concentração de mercado

Por outro lado, Glanzmann alerta que a concentração de mercado resultante de uma possível fusão pode se transformar num fator preocupante. Com apenas três grandes companhias operando no Brasil — Gol, Azul e Latam —, o setor aéreo já enfrenta desafios para garantir concorrência e preços acessíveis e diminuir a concorrência não ajudaria nesse aspecto.

"Hoje, muitas rotas no País são operadas por uma ou duas empresas, e isso limita a competitividade. Ainda que mantenham marcas diferentes, a fusão colocaria Gol e Azul sob o mesmo grupo econômico, eliminando disputas de preço entre elas"

Ronei Glanzmann

Essa concentração pode afetar diretamente os consumidores, especialmente em mercados regionais onde a oferta de voos já é reduzida. "Onde voa uma única empresa, os preços tendem a ser mais altos. E o governo tem instrumentos limitados para evitar práticas abusivas, já que os preços são livres no Brasil", completou.

Divulgação/Inframérica
Atualmente, a Gol passa por um processo de Chapter 11
Atualmente, a Gol passa por um processo de Chapter 11

Desafios históricos da aviação nacional

Ronei Glanzmann ressaltou os principais entraves enfrentados pelas companhias aéreas no Brasil, todos ligados ao desequilíbrio entre “receitas em reais e custos em dólar”. Entre os mais impactantes estão:

  • Manutenção
  • Leasing
  • Combustível

“Esses custos são atrelados à moeda estrangeira, enquanto as tarifas são cobradas em moeda local. Isso gera uma pressão enorme no caixa das empresas", explicou o executivo, destacando como essa dinâmica desafia a sustentabilidade financeira do setor.

Ele ainda detalha especificamente o custo do combustível, que permanece como o principal gasto das companhias. "A formação de preço do combustível segue a paridade de importação e é influenciada por distribuidores concentrados, o que agrava os desafios. Além disso, o Brasil lidera em judicialização de questões aeroportuárias, o que também pesa na operação”, acrescentou.

Entrada de novas companhias é fundamental

Para minimizar os riscos da concentração de mercado, o especialista acredita que a entrada de novas companhias aéreas seria a melhor solução.

“No México, por exemplo, que é um mercado que usamos regularmente como comparativo ao nosso, low costs lideram o mercado doméstico, oferecendo tarifas competitivas. O Brasil pode seguir esse exemplo, especialmente agora que barreiras burocráticas já foram quebradas nos últimos anos"

Ronei Glanzmann

O impacto para o consumidor

Do ponto de vista dos passageiros, Glanzmann explica que o trêmite para a fusão é demorado e passará por diversas etapas antes de ser consolidado. Caso o processo entre Gol e Azul seja aprovado, o especialista sugere atenção especial às estratégias de compra de passagens.

"O consumidor deve buscar antecipar compras e evitar dias de alta demanda. No curto prazo, as marcas devem operar de forma independente, mas é importante acompanhar as mudanças que ocorrerão ao longo do processo"

recomendou o ex-secretário de Aviação Civil do governo federal

A fusão entre Gol e Azul, caso seja aprovada, representa um marco no mercado de aviação civil brasileiro, trazendo desafios e oportunidades. A análise detalhada dos órgãos reguladores e o estímulo à entrada de novos players serão cruciais para equilibrar os impactos desse movimento e garantir benefícios tanto para o mercado quanto para os passageiros.

Divulgação
Diretores da Abra argumentam que a Azul tem uma frota e atende destinos complementares à oferta da Gol no Brasil
Diretores da Abra argumentam que a Azul tem uma frota e atende destinos complementares à oferta da Gol no Brasil

Concentração de slots em Congonhas

Outro ponto sensível comentado pelo especialista é uma possível concentração de slots — horários de pousos e decolagens — em aeroportos estratégicos. Glanzmann argumenta sobre o tema dizendo que o terminal paulista de Congonhas é o único onde o assunto deve ter maior atenção.

"Congonhas é o aeroporto mais relevante nesse debate, porque tem uma limitação natural de slots. Já em outros aeroportos, há disponibilidade sobrando, o que reduz o impacto da fusão nesses locais"

Ronei Glanzmann

O especialista destacou que a questão dos slots será um ponto central na análise do Cade e da Anac, com a possibilidade de redistribuição para preservar a competitividade. "É preciso garantir que a concentração em aeroportos centrais não elimine a disputa saudável entre as empresas. Congonhas, por exemplo, já opera no limite, e qualquer movimento pode gerar desequilíbrios importantes no mercado", explicou.

Além de Congonhas, aeroportos como Guarulhos também devem entrar no radar das autoridades reguladoras. Glanzmann acredita que um processo bem conduzido pode evitar problemas, mas reforça que "essa análise precisa ser feita com muito cuidado para garantir que o consumidor final não seja prejudicado, seja na oferta de voos ou no preço das passagens".

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