Decreto que restringe cidadania italiana gera controvérsia, diz especialista
Segundo especialista, decreto só pode ser adotado em casos excepcionais de necessidade e urgência

Você viu aqui no Portal PANROTAS que o governo italiano aprovou um decreto que altera regras para a obtenção da cidadania italiana. A nova legislação estabelece que apenas indivíduos com avós ou pais nascidos na Itália, ou aqueles que tenham residido no país por pelo menos dois anos, poderão solicitar a cidadania.
Segundo Fábio Gioppo, especialista em Direito Internacional e Cidadania Europeia e CEO do escritório Gioppo & Conti, a decisão gerou controvérsias e questionamentos sobre sua conformidade com a Constituição Italiana. Ele afirma que, embora o decreto já esteja em vigor, apresenta graves inconsistências jurídicas.
“Estamos acompanhando de perto, junto aos nossos juristas na Itália, todos os desdobramentos deste novo decreto e identificamos diversos pontos que indicam sua inconstitucionalidade”, alerta Gioppo, que aponta três aspectos principais demonstram que a nova norma é precipitada e juridicamente questionável:
1. Violação ao princípio de urgência e necessidade
O Decreto-Lei, conforme o artigo 77 da Constituição Italiana, só pode ser adotado em casos excepcionais de necessidade e urgência. No entanto, a questão da cidadania italiana por descendência não configura uma emergência nacional ou imprevisível.
A tentativa de regulamentar um tema estrutural e complexo por meio de decreto, sem justificativa concreta de urgência, representa uma violação direta da Carta Constitucional. A Corte Constitucional Italiana já declarou inconstitucionais, em decisões anteriores, decretos editados fora desses parâmetros.
2. Irregularidade na retroatividade da norma
Outro ponto crítico é a alegada retroatividade do decreto, com efeitos a partir das 00h01 do dia 28/03, embora sua publicação oficial na Gazzetta Ufficiale tenha ocorrido apenas às 23h do mesmo dia — e com conteúdo divergente daquele previamente divulgado.
Essa retroatividade não apenas gera insegurança jurídica, mas também viola o artigo 73 da Constituição Italiana, que prevê um prazo mínimo de 15 dias entre a publicação de uma norma e sua entrada em vigor, salvo disposição expressa em contrário — o que, neste caso, é juridicamente questionável.
3. Ofensa ao direito adquirido e ao princípio da igualdade
O aspecto mais sensível da nova medida é a limitação da transmissão da cidadania por critérios geracionais arbitrários. O novo texto restringe o reconhecimento a apenas duas gerações (filhos e netos de italianos), excluindo bisnetos, trinetos e outros descendentes legítimos — mesmo com vínculos familiares e culturais comprovados.
Essa restrição confronta jurisprudência pacífica da Suprema Corte de Cassação Italiana, que entende que a cidadania jure sanguinis é um direito originário e adquirido por nascimento, e, portanto, não pode ser restringido por norma infraconstitucional.
Além disso, o decreto introduz uma exigência de “vínculo real” com a Itália para manutenção da cidadania ao longo do tempo — outro elemento que poderá ser objeto de contestação por seu caráter subjetivo e excludente.
Repercussão e possível judicialização
Diante das inconsistências apontadas, é esperado que a nova norma seja amplamente contestada nos tribunais italianos. Juristas recomendam que descendentes italianos acompanhem de perto os desdobramentos legais e busquem orientação especializada.
“Esses temas já foram enfrentados pela Suprema Corte no passado, e tudo indica que esse decreto também será questionado. Por isso, é fundamental que os descendentes mantenham a calma. Aqueles que já deram entrada no processo não serão afetados, e quem está iniciando agora deve saber que a via judicial segue sendo a forma mais segura e legítima de conquista da cidadania italiana”
Fábio Gioppo, especialista em Direito Internacional e Cidadania Europeia e CEO do escritório Gioppo & Conti