Filip Calixto   |   31/01/2025 19:28
Atualizada em 31/01/2025 19:45

Fusão de Azul e Gol traria mais prejuízos do que benefícios, dizem ex-conselheiros do Cade

Especialistas afirmam que concentração do mercado reduziria a competição e aumentaria os preços no Brasil

PANROTAS / Artur Luiz Andrade
Fusão de Gol e Azul criaria uma gigante para o setor com mais de 60% de participação de mercado
Fusão de Gol e Azul criaria uma gigante para o setor com mais de 60% de participação de mercado

A tentativa de fusão entre as gigantes do setor aéreo brasileiro Gol e Azul, que desde o dia 15 de janeiro vem gerando discussões no mercado, segue aguardando uma análise do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Enquanto a decisão ainda não foi tomada, especialistas convidados para uma transmissão da ABDE (Associação Brasileira de Direito e Economia) foram unânimes em apontar que, caso seja aprovada, o processo trará mais prejuízos do que benefícios para o consumidor e para o mercado brasileiro de aviação.

Concentração de oferta e aumento de preços são considerados riscos reais segundo a análise de três ex-participantes do conselho. Para Cristiane Schmidt, vice-presidente da ABDE, Cleveland Prates Teixeira, economista, e Lucia Helena Salgado, economista (e todos ex-conselheiros do Cade), a fusão entre Gol e Azul seria uma medida prejudicial tanto para o consumidor quanto para o mercado como um todo.

Participaram da live: Lucia Salgado, economista e ex-conselheira do Cade, Gustavo Miró, diretor da ABDE Jovem, Cristiane Schmidt, vice-presidente da ABDE e ex-conslheira do Cade, e Cleveland Prates Teixeira, economista e ex-conselheiro do Cade
Participaram da live: Lucia Salgado, economista e ex-conselheira do Cade, Gustavo Miró, diretor da ABDE Jovem, Cristiane Schmidt, vice-presidente da ABDE e ex-conslheira do Cade, e Cleveland Prates Teixeira, economista e ex-conselheiro do Cade

Fusão com efeitos negativos para o setor aéreo

Usando o termo "confusão" para se referir à tentativa de união das duas companhias, Cristiane Schmidt foi clara ao afirmar que o movimento tem grandes chances de trazer consequências negativas para o setor aéreo.

A especialista apontou que a concentração do mercado resultante de uma possível consolidação provavelmente reduziria a competição e aumentaria os preços, impactando diretamente o consumidor.

“Esse movimento mexe com todo o consumo no Brasil, e, se não desistirem, que o Cade faça uma análise profunda, pois há um alto risco de efeitos negativos para o setor aéreo”

Cristiane Schmidt, ex-conselheira do Cade

A principal preocupação de Cristiane está na redução de opções para o consumidor. Segundo ela, a fusão desembocaria em uma maior concentração do mercado, o que poderia resultar em aumento de preços e menor diversidade na oferta de voos. A especialista destacou que, em um cenário com poucas empresas dominando o mercado, o consumidor seria o principal prejudicado.

Cleveland Prates Teixeira, que já havia falado sobre o tema ao Portal PANROTAS, também expressou suas preocupações com os efeitos da fusão. Ele explicou que, em um mercado já altamente concentrado, a união de Gol e Azul tornaria ainda mais difícil a entrada de novas empresas, o que é sempre benéfico para o mercado, principalmente do ponto de vista da precificação de passagens e da criação de rotas regionais.

"No Brasil, para uma nova companhia competir, ela precisa ter uma grande capacidade de rede, o que é extremamente difícil de conseguir. Isso criaria barreiras para novos competidores e reduziria a competitividade do setor"

Cleveland Teixeira, ex-conselheiro do Cade

Além disso, ele ressaltou que a concentração de slots (os direitos de pouso e decolagem nos aeroportos) nas mãos de poucas empresas poderia resultar em manipulação de oferta e preços. "A fusão pode criar um ambiente propício para práticas anticompetitivas, onde a oferta de voos seria manipulada para reduzir a concorrência ou aumentar os preços", explicou o economista.

Falta de modais no Brasil preocupa ainda mais

Outro ponto crítico levantado pelos especialistas é a falta de alternativas de transporte no Brasil, o que torna o setor aéreo ainda mais essencial para a mobilidade no País. Diferente de mercados como os da Europa ou dos EUA, onde os sistemas ferroviário ou rodoviário oferecem alternativas ao transporte aéreo, o Brasil depende fortemente das companhias aéreas, especialmente para voos para cidades menores ou remotas.

Divulgação
Os recentes cancelamentos de rotas da Azul, segundo os debatedores, é um sinal de alerta para as consequências da fusão
Os recentes cancelamentos de rotas da Azul, segundo os debatedores, é um sinal de alerta para as consequências da fusão

Lucia Salgado alertou que, em um cenário de união entre Gol e Azul, a redução de opções de voos pode prejudicar ainda mais regiões do Brasil que já enfrentam dificuldades de conectividade.

"Num país com dimensões continentais, a malha aérea precisa ser distribuída e acessível. A fusão entre essas duas empresas pode agravar a situação e levar à eliminação de rotas, como já vimos acontecer em algumas operações da Azul recentemente"

Lucia Salgado

O papel do Cade na análise da fusão

Os especialistas também enfatizaram a óbvia importância do papel do Cade nesta análise. Para Lucia Salgado, o Cade deve agir de maneira rigorosa para garantir que o mercado aéreo brasileiro continue competitivo e que os consumidores não sejam prejudicados.

"O Cade precisa estar atento às práticas anticompetitivas que podem surgir em um mercado altamente concentrado. A fusão não deve ser vista como uma oportunidade de consolidar ainda mais o poder dessas empresas, mas sim como uma questão que precisa ser cuidadosamente avaliada em termos de seus impactos sobre a competição"

Lucia Salgado

Teixeira concordou com a importância da regulação e alertou que a proposta, caso aprovada, deveria vir acompanhada de medidas que protejam a competição no setor. "O Cade tem ferramentas e conhecimento suficiente para analisar as consequências dessa fusão. O risco de uma concentração ainda maior no mercado é real, e a regulação deve ser rigorosa para evitar que o consumidor saia prejudicado", concluiu Teixeira.

Divulgação
De acordo com os especialistas, mais acordos internacionais, como o que existe entre Delta e Latam, são uma solução melhor para o mercado brasileiro do que uma possível fusão
De acordo com os especialistas, mais acordos internacionais, como o que existe entre Delta e Latam, são uma solução melhor para o mercado brasileiro do que uma possível fusão

Participação estrangeira como alternativa para aumentar a concorrência

Os ex-conselheiros também discutiram alternativas para aumentar a competitividade no mercado aéreo, destacando a importância da participação de empresas estrangeiras. Segundo Lucia Salgado e Cleveland Teixeira, a abertura do mercado para empresas internacionais poderia trazer mais opções de voos e aumentar a competição no setor.

"É possível pensar em soluções que envolvam a participação de empresas estrangeiras sem depender da fusão entre as duas gigantes nacionais. Isso poderia ser uma maneira mais eficaz de aumentar a concorrência e beneficiar os consumidores”

Lúcia Salgado

Os ex-conselheiros do Cade sugerem que, em vez de consolidar as duas maiores empresas do setor, o Brasil deve buscar soluções que favoreçam a entrada de novos competidores e incentivem a participação estrangeira, garantindo um mercado mais competitivo e acessível.

Diante disso, os especialistas concluem que o Cade deve tomar uma postura rigorosa e cuidadosa na análise dessa fusão, para evitar que o setor aéreo se torne ainda mais concentrado e prejudicial para os consumidores brasileiros.

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