Pedro Menezes   |   19/09/2024 12:56
Atualizada em 19/09/2024 13:44

Por que agências de viagens exigem mudanças na responsabilidade solidária?

Marcelo Oliveira diz que agências não querem o fim da responsabilidade solidária, mas equilíbrio e justiça


Neste artigo, vamos encontrar todos os detalhes e uma análise completa do assessor jurídico da Abav Nacional, Dr. Marcelo Oliveira, a respeito do tema

O presidente Lula vetou o artigo que trata da responsabilidade solidária, uma conquista que seria histórica para as agências de viagens, em sanção da nova Lei Geral do Turismo, nessa quarta-feira (18). O Ministério do Turismo já se comprometeu em costurar uma Medida Provisória para resolver a questão.

Mas o que é a responsabilidade solidária das agências de viagens?

  • Atualmente, uma agência de viagens pode ser responsabilizada por um serviço que foi prestado, por exemplo, por um hotel, companhia aérea ou serviços turísticos contratados num pacote que, por alguma razão, não deu certo.

  • Em caso de má execução de contrato de consumo de um pacote completo de viagens, por exemplo, o consumidor acaba entrando na justiça contra a agências de viagens que vendeu o pacote ou então inclui a agência de viagens no pool de processados, como hotéis, companhias aéreas e serviços contratados.

O que as agências de viagens precisam, agora, com a nova MP?

  • As agências de viagens desejam mudanças para serem tratadas como intermediadoras de uma viagem, sendo responsabilizadas apenas pela prestação de serviço ao passageiro e garantindo que tudo que foi vendido está devidamente confirmado no pacote.

Há exceções?

  • Sim. Neste caso, a agência de viagens pode ser responsabilizada, e o passageiro tem o direito de cobrar indenização em caso de algum serviço que foi contratado e não atendeu às expectativas. Exemplo: qual é a culpa de um hotel 3 estrelas, se o agente de viagens o vendeu falando que era de 5 estrelas? Qual é a culpa da companhia aérea, se o agente de viagens vendeu uma passagem com conexão falando que era voo direto?

O que diz o Código do Consumidor?

  • De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, "tendo mais de um autor todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas do consumo".

Quais são as dores dos agentes de viagens com o veto de Lula?

  • As dores dos agentes envolvem justamente mudanças nesta responsabilidade solidária. Com isso, a agência de viagens, por exemplo, iria se isentar da responsabilidade relacionada a problemas com companhias aéreas, hotéis e serviços contratados no pacote, se responsabilizando apenas pelos seus serviços e atendimento ao passageiro.

"O item vetado por Lula previa que as agências de Turismo sejam objetivamente responsáveis pelos serviços remunerados de intermediação que executam, mas não responderão, salvo se tiverem contribuído para a sua ocorrência, por vícios ou defeitos relacionados a fornecedores de transporte e meios de hospedagem"

Ministério do Turismo, em comunicado
Reprodução
Cerimônia que sancionou, com vetos, a nova Lei Geral do Turismo
Cerimônia que sancionou, com vetos, a nova Lei Geral do Turismo

O MTur se comprometeu a construir um texto "mais alinhado ao Código de Defesa do Consumidor", juntamente com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para o posterior envio de Medida Provisória ao Congresso Nacional.

Mas se já havia indícios de que o item seria vetado, por que esse texto não foi feito antes? Por que o MTur não avisou à Abav, Braztoa e demais entidades sobre o veto, pegando todos de surpresa e fazendo com que, uma vez mais, o papel de apagador de incêndios caísse nas mãos das entidades? Não houve negociação do MTur com a Casa Civil? Quando o MTur foi avisado do veto? E qual foi sua posição?

Perguntas sem respostas, as vésperas da Abav Expo, que ocorre exatamente em Brasília. Um banho de água fria, que só aumenta o fogo que já assola o País e as relações no Turismo. No mínimo, o governo não foi transparente com as entidades, pois nenhuma sabia dos vetos antes de sorrirem para as fotos ao lado do presidente Lula. É claro que é positivo termos a nova LGT. Mas para o agenciamento de viagens, essa era uma questão fundamental. Não dava para o governo simplesmente ignorar e omitir o fato. Vamos ver o sorriso e comportamento de todos na Abav Expo. Aguardando ansiosamente os discursos na abertura.

Outro item vetado pelo presidente Lula: a questão da responsabilidade solidária da hotelaria (que queria se resguardar do caso de quebra ou não pagamento por parte de OTAs, como nos casos Hurb e 123 Milhas).

Assessor Jurídico da Abav Nacional detalha a questão

Divulgação
Dr. Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional
Dr. Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

Entramos em contato com assessor jurídico da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav Nacional), Dr. Marcelo Oliveira, com o seguinte questionamento: por que as agências precisam de mudanças nas questões que envolvem a responsabilidade solidária?

"As agências de viagens não querem se eximir de suas responsabilidades. Não é isso! As agências de viagens continuariam responsáveis por 100% das atividades de intermediação, respondendo por qualquer erro ou equívoco. A diferença agora é que, se não houvesse o veto, teríamos um enquadramento de competências. Com isso, a agência de viagens não poderia responder pelo assento de determinada companhia ou pela unidade habitacional de um hotel e tudo que pode acontecer durante a estada. A agência faz apenas a aproximação daqueles negócios. Qualquer detalhe que saia da curva tem de ser de responsabilidade apenas dos fornecedores finais"

Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

Marcelo Oliveira afirma que este assunto é extremamente complexo, e já está no piloto automático a questão de responsabilizar as agências, que acabam pagando incontáveis contas e bilhões de reais sem ter nada a ver.

"O agenciamento de distribuição não cometeu uma vírgula de equívoco no caso da Avianca Brasil, por exemplo, companhia que parou de operar e sumiu. Então, a agência vai tirar do bolso dela sem ter nada errado? Sim, porque a agência é obrigada a pagar já que a lei estipula. Gostaria de deixar claro que as agências não querem o fim da responsabilidade solidária. O que elas querem é um esclarecimento em busca de equilíbrio e justiça. Esse é o grande segredo"

Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

Mudanças também favoreceriam consumidores

Divulgação/Embratur Sebrae
Alinhamento de responsabilidades também serve para preservar e proteger o consumidor de maneira geral
Alinhamento de responsabilidades também serve para preservar e proteger o consumidor de maneira geral

O que está na Constituição? A preservação e a garantia da defesa do consumidor. Segundo Marcelo Oliveira, fazer este alinhamento sobre a responsabilidade solidária, que agora será estudado via Medida Provisória, também serve para preservar e proteger o consumidor de maneira geral. O advogado cita uma vez mais o caso da Avianca Brasil, que era concessionária do Governo, que é quem deveria fiscalizar e regular o setor aéreo.

"Volto ao caso da Avianca Brasil. É importante dizer que quem tem que regular isso é o Governo, entender que uma situação como aquela, que chega naquele ponto, causa um prejuízo incontável para consumidores. Nesta ocasião, muitas agências acabaram prejudicando seus negócios e tendo que reparar consumidores, via ordens judiciais, porque foram condenadas justamente por conta dos problemas da Avianca Brasil. No fim das contas, por conta daquele desfalque proveniente de ordem judicial, acabaram tendo problemas com outros consumidores que nada tinham a ver com aquilo"

Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

Agênciamento e consumidor 'pagam o pato' na falta de fiscalização

O veto da questão que envolvia a responsabilidade solidária agora será debatida via Medida Provisória. O advogado afirma que esse alinhamento, apresentado pelo próprio presidente Lula e pelo Ministério do Turismo, é algo que o mercado espera há muito tempo, justamente por conta de injustiças para agências e consumidores.

"Queremos um alinhamento entre estes órgãos e o trade turístico para que isso aconteça em moldes que todos entendam que a aplicação sobre responsabilidade, nexte contexto, é prejudicial para consumidores. O que a legislação diz hoje para as agências de viagens condenadas? Resolva o problema do consumidor e depois se vire com o fornecedor. Na prática, uma agência, depois de ter pago indenização, vai se voltar para um hotel ou para uma companhia aérea que quebrou e que na prática não existe mais? Como? E o consumidor? Temos que ter uma fiscalização em casos, por exemplo, de paralisação de atividades. Quem tem que tomar conta disso é o governo. Se um fornecedor chega numa posição dessas, talvez não houve uma fiscalização necessária para isso. Então, quem sofre? O intermediador e o próprio consumidor"

Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

Do jeito que está, agências de viagens correm risco sem tamanho

Hoje, segundo Marcelo Oliveira, o agenciamento trabalha, tem prateleira para aproximar os negócios e distribuí-los, mas reza todos os dias para que tudo dê certo
Hoje, segundo Marcelo Oliveira, o agenciamento trabalha, tem prateleira para aproximar os negócios e distribuí-los, mas reza todos os dias para que tudo dê certo

Marcelo Oliveira acredita que o Governo Federal entende a sensibilidade do tema, mas é preciso encontrar o melhor caminho para equilibrar esta balança que, segundo ele, está hoje totalmente desequilibrada.

"Você joga essa atividade econômica de agenciamento que existe para ajudar, assistir e informar num risco econômico sem tamanho. Não é a agência que tem que fiscalizar a vida financeira de um hotel ou de uma companhia aérea que comercializa. A agência de viagens não tem competência para isso. Por outro lado, assume o risco total dessa 'brincadeira'. A agência de viagens tem uma margem de 5% a 6% de contra prestação, mas o risco imediato é de 100% se acontecer alguma coisa. Ou seja, o agenciamento trabalha, tem prateleira para aproximar os negócios e distribuí-los, mas reza todos os dias para que tudo dê certo. É exatamente esse equilíbrio de responsabilidades que o governo e seus órgãos precisam buscar"

Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

Como é o agenciamento no mercado internacional?

PANROTAS / Marluce Balbino
Dr. Marcelo Oliveira viaja para Áustria neste fim de semana para participar de um congresso de advogados especializados em viagens, onde irá apresentar um case que envolve as questões de responsabilidade solidária das agências de viagens
Dr. Marcelo Oliveira viaja para Áustria neste fim de semana para participar de um congresso de advogados especializados em viagens, onde irá apresentar um case que envolve as questões de responsabilidade solidária das agências de viagens

Marcelo Oliveira está embarcando para Àustria neste fim de semana para participar de um congresso que reúne advogados especialistas no ramo de Viagens & Turismo. Na ocasião, ele irá apresentar justamente este case que envolve a responsabilidade solidária das agências, que teve um final não tão feliz com a sanção de Lula.

Mas há responsabilidade solidária no mercado internacional?

"Tem e não tem. Na maioria dos casos, você tem a proteção do cliente, mas é exatamente esse comentário que eu faço sobre o equilíbrio, onde a gente vai encontrando as vírgulas. Há cenários que envolvem securitização, ambientes de garantia conectadas com essas relações, mas o papel do governo neste caso é fundamental. Há cases muito interessantes, como a da província de Quebec, no Canadá, onde existe um fundo de garantia que é acionado em caso de problemas com o consumidor numa viagem. O viajante, neste caso, aciona o fundo, resolve o problema e, em outro momento, os players envolvidos vão discutir quem teve a maior responsabilidade naquele caso. Portugal e a própria União Europeia também têm essa diretiva de viagens, sem retirar o direito do consumidor, mas sempre praticando esses brainstorms para fazer sentido e alinhar justamente o equilíbrio das responsabilidades"

Marcelo Oliveira, sócio da CMO Advogados e assessor jurídico da Abav Nacional

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