Anac discutirá lista de passageiros indisciplinados; leia artigo
Advogada Roberta Andreoli analisa o debate em torno da medida, parte da agenda regulatória da Agência
Nos últimos anos, a aviação brasileira vem enfrentando diversos episódios de indisciplina por parte dos passageiros, com número recorde de 585 casos em 2022. Neste ano, 9% das ocorrências envolveram agressões físicas, sendo 42% em solo, 32% em solo na aeronave e 26% em voo. Em dado mais recente da Abear, durante o primeiro trimestre de 2023, foram registrados 114 episódios de indisciplina. Um quarto das perturbações apresentaram condutas violentas.
Para Roberta Andreoli, sócia fundadora do Leal Andreoli Advogados e presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB-SP, um possível caminho para coibir indisciplinas e prevenir riscos é a a lista de “passageiros indisciplinados”, impedindo, por até 12 meses, o embarque de indivíduos com comportamentos que colocaram operações do transporte aéreo em risco. A medida faz parte da agenda regulatória da Anac e deve avançar para audiência pública até o final deste semestre.
Confira abaixo o artigo completo de Roberta Andreoli.
"Quando o direito do outro começa
O volume crescente e espantoso de tumultos em aviões e aeroportos brasileiros reforça a necessidade de implementação de medidas de controle e tratamento aos passageiros que não observam suas obrigações em voo. Um exemplo é a criação da lista de “passageiros indisciplinados”, impedindo, por até 12 meses, o embarque de indivíduos com comportamentos que colocaram operações do transporte aéreo em risco.
O debate já está previsto na agenda regulatória da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e deve avançar para audiência pública até o final deste semestre.
De acordo com levantamento da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), durante o primeiro trimestre de 2023, foram registrados 114 episódios de indisciplina. Um quarto das perturbações apresentaram condutas violentas.
Com 585 casos, 2022 foi recordista em relação aos anos anteriores (em 2021, foram 434 eventos, contra 222 em 2020 e 304 em 2019). Do total de ocorrências, 9% envolveram agressões físicas, sendo 42% em solo, 32% em solo na aeronave e 26% em voo.
Assim, a definição de medidas contra passageiros que incomodem os restantes, danifiquem a aeronave ou dificultem a operação continua sendo bastante aguardada. Afinal, esses casos podem afetar a segurança das operações aéreas e causam prejuízos às empresas, aeroportos e passageiros, acarretando, ainda, estresse à tripulação, atraso de voos e dificuldades no gerenciamento do tráfego aéreo.
Pensando em soluções contra esse cenário, a Anac criou um grupo de trabalho para estabelecer regras claras de gestão dos casos e punições, como multas, indenizações e a proibição de acesso ao modal. A expectativa é de regulamentação dos dispositivos trazidos pela Lei do Voo Simples, sancionada em 2022, a alterar o Código Brasileiro de Aeronáutica, determinando o tratamento destinado aos usuários que infringirem as normas legais e os atos que devem ser considerados gravíssimos.
No Brasil, o passageiro responsável por distúrbios a bordo de aeronave ou no aeroporto pode ser enquadrado no Código Penal por atentado contra a segurança do transporte aéreo, expondo a aeronave a perigo ou obliterando a navegação, e delito de dano, em que há a destruição de coisa alheia.
Contudo, não existe ainda norma que puna pecuniariamente ou impeça esses indivíduos de voarem. Entre os entraves da pauta, principalmente do ponto de vista jurídico, está o direito constitucional de ir e vir.
Neste contexto, é necessário ressaltar que o transporte aéreo é um contrato celebrado no momento da aquisição da passagem. Ou seja, há um pressuposto de cumprimento de deveres e obrigações de ambas as partes. Se um passageiro demonstrar indisciplina, colocando em risco o voo, terceiros e a infraestrutura aeroportuária, a empresa aérea não deve ser obrigada a celebrar novos contratos com o mesmo indivíduo.
Além disso, a limitação é voltada aos que ultrapassam o seu direito, esbarrando e violando o direito do outro.
Por fim, o mecanismo em discussão já foi implementado com sucesso em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, companhias aéreas, como Delta Air Lines e American Airlines, adotaram o no-fly list.
A política de “tolerância zero” para os que atrapalham o funcionamento do transporte aéreo - que, além de “banir passageiros”, já aplicou cerca de US$ 7 milhões em multas - reduziu os casos em mais de 60%, segundo a Federal Aviation Administration (FAA).
As práticas internacionais apontam, dessa forma, um caminho para coibir indisciplinas e prevenir riscos."