Victor Fernandes   |   02/02/2024 08:00

Afinal, o que é o Chapter 11? Especialista explica e comenta caso da Gol

Confira entrevista com a advogada da PGLaw Andressa Kassardjian, especialista em recuperação judicial


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Gol recentemente entrou com pedido de Chapter 11 nos Estados Unidos
Gol recentemente entrou com pedido de Chapter 11 nos Estados Unidos

A notícia mais impactante do Turismo em janeiro foi o pedido de recuperação judicial (Chapter 11) da Gol Linhas Aéreas no Tribunal de Falências dos Estados Unidos.

Resumindo, o Chapter 11 é um processo legal dos EUA utilizado pelas empresas para levantar capital, reestruturar as finanças e fortalecer operações comerciais em longo prazo, enquanto continuam a operar normalmente.

Diversas companhias aéreas, entre elas as três grandes americanas - American Airlines, Delta e United, além de Avianca, e, mais recentemente, a Latam Airlines já passaram pelo processo de reestruturação financeira. Mas, ainda assim, permanecem dúvidas em muitos sobre o que realmente contempla o Chapter 11, qual o seu alcance, e por que empresas brasileiras, como a Gol, preferem passar por esse processo nos Estados Unidos.

No final de 2023, a Latam Airlines concluiu o Chapter 11 iniciado no começo da pandemia de covid-19 e creditou bom momento e resultados financeiros à iniciativa de recorrer ao processo logo no início da crise sanitária. "Estou orgulhoso de onde estamos e confiante na fundação que estamos construindo para os próximos anos. O Chapter 11 nos permitiu ter uma das melhores estruturas de custo do mundo", afirmou Roberto Alvo, CEO do Grupo Latam, em outubro de 2023.

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Andressa Kassardjian, advogada especialista em recuperação judicial da PGLaw
Andressa Kassardjian, advogada especialista em recuperação judicial da PGLaw

Para esclarecer tudo o que contempla o Chapter 11, o Portal PANROTAS consultou Andressa Kassardjian, da PGLaw, uma advogada especialista na área de direito empresarial cível, com enfoque em recuperação judicial, extrajudicial e falência de empresas.

PORTAL PANROTAS - Como definir basicamente o Chapter 11 e seu funcionamento para empresas com dificuldades financeiras?

ANDRESSA KASSARDJIAN - O Chapter 11 da Lei de Falências Americanas prevê, em síntese, a reorganização da companhia, com a superação da crise econômico-financeira que a atinge, mecanismo equivalente à recuperação judicial brasileira.

O devedor que se utilizar do Chapter 11 deverá propor um plano de reorganização para manter seu negócio vivo e pagar aos credores ao longo do tempo.

Na maioria dos casos, a empresa continua a operar normalmente, o devedor permanece na posse de seus bens, tem os poderes e deveres de um administrador, e pode, com aprovação judicial, pedir novo empréstimo (DIP). O plano de recuperação será votado pelos credores que tiverem afetados os seus direitos e poderá ser confirmado pelo tribunal se obtiver os votos necessários para aprovação e se satisfeitos determinados requisitos legais.

Tão logo o pedido de Chapter 11 seja apresentado, haverá a suspensão automática de todos os processos, cobranças, execuções hipotecárias e reintegrações de posse de bens. Em outras palavras, os credores não podem buscar a cobrança ou satisfação de qualquer dívida existente na data do pedido, ainda que não vencidos.

A suspensão automática proporciona ao devedor um período de “fôlego” e a oportunidade de negociar com seus credores o plano de recuperação.

PANROTAS - Qual a diferença entre Chapter 11 e Recuperação Judicial?

ANDRESSA - A recuperação judicial braileira, regulada pela Lei n. 11.101/2005, foi inspirada no Chapter 11. Os instrumentos são semelhantes, pois, em síntese, disciplinam a reorganização da companhia para manter a atividade empresária viva e promover o pagamento dos credores, porém com algumas e importantes diferenças.

Em primeiro lugar, a simplicidade do procedimento. O pedido de Chapter 11 é feito mediante um formulário, e alguns documentos podem ser solicitados posteriormente. No Brasil, o requerente é obrigado a elaborar petição inicial com o seu histórico, expor as razões da crise e apresentar uma gama extensa de documentos. Sem isso, o pedido é indeferido.

Pode-se mencionar também a suspensão automática das obrigações, prevista no Chapter 11. No Brasil, como visto, diversos credores podem continuar cobrando as obrigações, ainda que a empresa esteja em recuperação judicial.

PANROTAS - Que motivos levam uma empresa a entrar em processo de Chapter 11?

ANDRESSA - Basicamente o endividamento elevado e a impossibilidade de cumprimento das obrigações no curto prazo considerando o fluxo de caixa da companhia.

Em fato relevante divulgado na manhã do dia 29, a Gol (GOLL4) informou que encerrou o quarto trimestre de 2023 com endividamento de R$ 20 bilhões.

A fim de evitar uma falência (regulada pelo Chapter 7), a empresa pode se valer da reorganização regulada pelo Chapter 11, que visa justamente à manutenção da companhia e ao pagamento de seus credores.

PANROTAS - Existe um tempo limite para a empresa percorrer o Chapter 11? Em média, quanto tempo dura?

ANDRESSA - Não existe um tempo limite. Alguns casos podem durar meses, mas outros, maiores e mais complexos podem durar anos, dependendo da quantidade de litígio envolvido e dos termos do plano de reorganização. O caso da Latam, por exemplo, durou pouco mais de dois anos, enquanto o caso da Avianca durou em torno de um ano e meio.

PANROTAS - Por que as companhias entram com esse pedido de Chapter 11 nos Estados Unidos e não com um pedido de recuperação judicial aqui no Brasil?

ANDRESSA - A legislação norte-americana prevê que, com o pedido de Chapter 11, os débitos são automaticamente suspensos, incluindo aqueles relacionados a arrendamento e contratos de leasing, por exemplo.

Já no Brasil, créditos relacionados a operações com garantia fiduciária, arrendamento mercantil, compra e venda com reserva de domínio, e leasing de aeronaves, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial.

Como as companhias aéreas possuem muitas aeronaves que estão financiadas em contratos não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, o pedido feito no Brasil significa, basicamente, a cobrança imediata dos valores em aberto e, diante da impossibilidade de arcar com valores elevadíssimos, a retomada das aeronaves pelo credor. E, sem aeronaves, a companhia não consegue operar. Foi o que aconteceu com a Avianca Brasil (Oceanair).

Ainda, o ambiente norte-americano já está mais maduro quando se trata de obtenção de novos financiamentos para empresas em reestruturação, o que ainda precisa evoluir muito no Brasil. Por isso, para as companhias aéreas, o Chapter 11 parece ser mais atrativo do que a recuperação judicial brasileira. Além disso, no caso das companhias aéreas, incluindo a Gol, muitos de seus credores possuem créditos em dólar, e o procedimento nos EUA facilita a negociação. Por fim, o procedimento de reestruturação americano é mais célere, menos burocratizado, e possui jurisprudência mais consolidada, trazendo segurança jurídica tanto para o devedor quanto para o credor.

Ou seja, a escolha pela jurisdição americana é uma combinação de diversos fatores, como segurança jurídica, celeridade, perfil dos credores e possibilidade efetiva de acesso a novos financiamentos (como já ocorreu no caso da Gol).

PANROTAS - Por que uma companhia brasileira pode entrar com um pedido de Chapter 11 nos Estados Unidos?

ANDRESSA - Além de a decisão pelo pedido de Chapter 11 ser estratégica pelas características do próprio procedimento, conforme exposto acima, não há qualquer dispositivo legal na legislação americana que vede que as empresas brasileiras optem pelo Chapter 11.

A tomada dessa decisão deverá considerar também o perfil da dívida, ou seja, se a maior parte das dívidas ou credores relevantes está nos EUA, como é o caso da Gol, já que é a legislação americana que deverá ser observada caso se opte pelo Chapter 11.

PANROTAS - Como o caso da Gol se compara a outros casos de Chapter 11? As três grandes americanas já pediram no passado, além de Avianca e Latam mais recentemente.

ANDRESSA - É difícil comparar, cada caso tem suas dificuldades e particularidades operacionais próprias. mas o Chapter 11 é um processo atraente para empresas aéreas em geral por vários motivos, como segurança jurídica, rapidez e maior proteção especialmente das aeronaves, caso sejam objeto de leasing; há um mercado consolidado para obtenção de novos financiamentos; a companhia devedora tem a possibilidade de rejeitar contratos onerosos; a companhia garante a manutenção das suas atividades.

PANROTAS - Como a Gol pode planejar sua saída do Chapter 11 de maneira eficaz? Existem estratégias específicas que a empresa deve considerar para garantir uma transição suave?

ANDRESSA - Um dos recursos que a Gol pode – e vai – utilizar na sua reestruturação é a obtenção de financiamento (“dinheiro novo”), conhecidos como DIP Financing.

Após a aprovação do Chapter 11 pela justiça americana, a Gol conseguiu aval para acessar o financiamento de US$ 950 milhões (cerca de R$ 4,7 bilhões) obtido junto aos seus controladores (Abra Group, controlador da Gol e da Avianca Colombia). Neste primeiro momento, a Gol terá acesso a US$ 350 milhões e o restante será liberado em outras etapas.

A obtenção do financiamento permitirá que a companhia continue a operar normalmente, sem causar prejuízos aos milhares de clientes e fornecedores, enquanto negocia seu plano de reestruturação junto aos seus credores.

PANROTAS - Chapter 11 é para qualquer empresa ou é um recurso exclusivo do setor de aviação?

ANDRESSA - O Chapter 11 não é exclusivo para o setor de aviação. Pelo contrário: quase todas as pessoas jurídicas e até pessoas físicas podem requerer sua reestruturação com base no Chapter 11, pois não há limitações ou requisitos sobre o valor da dívida ou receita do devedor que faz o pedido.

Então, quem não pode? Agências governamentais, companhias de seguros, bancos, corretores de bolsa ou de mercadorias, empresas de investimento licenciadas pela Small Business Administration e Municipalidades (cuja insolvência é regulada pelo Chapter 9).

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