Pandemia interrompeu democratização das viagens de avião no País
Tarifas altas e menos viajantes a trabalho são características pós-pandemia
Eduardo Sanovicz, presidente da Abear, ex-presidente da Embratur e da Anhembi Turismo, foi o segundo entrevistado na série pelos 30 anos da Revista PANROTAS, fundada em 1992 como Jornal PANROTAS. Ele analisou o cenário da aviação no País no Ano 3 da pandemia de covid-19 (“O 11 de setembro foi uma gota d’água perto desse tsunami”) e apontou os caminhos da recuperação (os turistas de lazer e o novo viajante corporativo), além de destacar os desafios persistentes do custo Brasil e do aumento de impostos.
A democratização do setor aéreo foi sim comprometida pela pandemia, segundo ele, com os potenciais viajantes perdendo renda (o que já estava ocorrendo antes mesmo de 2020), trocando o avião pelo ônibus ou deixando de viajar. Com as tarifas nas alturas, viajar de avião, por enquanto, é para os que precisam (a trabalho, saúde, visitar familiares) ou os que não foram tanto afetados pela crise (como os brasileiros que deixaram de viajar para o Exterior por conta das fronteiras fechadas e o público de alta renda).
Sanovicz também lamentou o destino da Ita Transportes Aéreos, que era sua associada: “o Brasil é um cemitério de empresas aéreas”, afirmou.
Confira abaixo alguns trechos da entrevista, que pode ser lida na íntegra na Revista PANROTAS.
PANROTAS – Quais os desafios para esse Ano 3 da pandemia?
SANOVICZ – A malha doméstica deve estar recomposta já no primeiro trimestre de 2022, com mais de 100% da oferta pré-pandemia. A internacional é um grande desafio e a previsão é de 100% somente no final de 2023. Outro desafio continua a ser o querosene de aviação, que subiu 91,7% nos últimos 12 meses. E também o câmbio, com uma desvalorização recorde do real. Isso impacta do leasin ao querosene. E esses dois itens respondem por 51% dos custos de uma companhia.
PANROTAS – Quem são os viajantes aéreos dessa retomada?
SANOVICZ – A grande parte, sem dúvidas, é o viajante de lazer. Temos ainda um cliente novo, que mescla lazer, corporativo e outros propósitos na mesma viagem. E o corporativo tradicional, hoje mais representado pelas pequenas empresas. Os 15% que faltam na oferta serão ocupados pelo restante do corporativo e pela volta dos eventos, como feiras e reuniões de empresas. Várias corporações estão revendo seus custos e algumas não voltarão a voar como antes.
PANROTAS – As empresas estão voando mais para destinos de lazer, que antes da pandemia não eram contemplados. Ao mesmo tempo fazem isso com recorde no preço do combustível e na desvalorização do real frente ao dólar. Não é contraditório?
SANOVICZ – A indústria aprendeu a fazer mais com custo menor. Voos que há dois anos não fechavam a conta, não ficavam em pé, agora são sustentáveis economicamente. A questão toda era o custo. Há uma equação clássica na aviação que quando o custo cai 10%, mais 14% de pessoas viajam de avião.
PANROTAS – O brasileiro respondeu bem rápido à volta da viagem de avião. Por quê?
SANOVICZ – O brasileiro aderiu à vacinação. A grande razão para termos chegado em dezembro passado a 85% da oferta de antes da pandemia foi a vacinação. E as empresas aéreas nacionais tiveram papel fundamental nisso, transportando de graça as vacinas para todo o País. Também vale destacar o trabalho de segurança feito pelo setor, como na prova de que o filtro Hepa limpa o ar de dentro das aeronaves.
PANROTAS – Quais os efeitos da crise da Itapemirim Transportes Aéreos, que deixou de voar em 17 de dezembro?
SANOVICZ – Uma pena que a empresa não tenha conseguido ir adiante. O Brasil é um cemitério de empresas aéreas – Real, PanAir, Varig, Vasp, Transbrasil, RioSul, Avianca... Isso eleva nosso grau de alerta para as condições estruturais e de custo muito difíceis que existem no Brasil. Dessas, apenas a PanAir não foi vítima das condições estruturais do País ou de problemas de gestão e mercado.
PANROTAS – Com a volta das viagens aéreas, a tarifa disparou. Nunca esteve tão alta?
SANOVICZ – Nunca esteve tão alta nos últimos dois anos. Assim como o custo nunca esteve tão alto. Há um volume importante de passageiros que costumava viajar mais para o Exterior. Esse é um dos efeitos mais interessantes da pandemia e essa descoberta do Brasil deve ficar mesmo depois de acabar a crise. Foi um público pouco afetado pela crise.
PANROTAS – Com isso a democratização do transporte aéreo, iniciada em 2002 com o início da liberdade tarifária, está comprometida?
SANOVICZ – Em 2002 tínhamos 30 milhões de viagens e um tíquete médio de R$ 800. Em 2016 chegamos a 100 milhões e R$ 430. De 2016 para cá, a perda de renda do brasileiro e o desemprego têm piorado as condições para viajar de avião. E nesse momento, nesse Ano 3 da pandemia, diria que sim, a democratização do transporte aéreo fica comprometida sim. Há um segmento que voltou ao ônibus e outro que não vai mais viajar. O crescimento da capacidade de investimento das organizações depende do poder de consumo das pessoas. Não tenho certeza se isso se recupera este ano, com pandemia, eleições e crescimento econômico fraco. Vamos terminar o ano maiores que o pré-crise, mas difícil prever quando será a recuperação do setor. O endividamento com certeza vai pesar.
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