O monge budista e o viajante corporativo
O diretor Geral da SAP Concur Brasil, Denis Tassitano, conta sobre sua experiência em um mosteiro budista
*Por Denis Tassitano, diretor Geral da SAP Concur Brasil
Acostumado a viajar e agoniado com o momento atual, aproveitei esta pausa de Corpus Christi para fugir. Não apenas do trabalho – pois sou um sortudo de amar o que faço, mas fugir das viagens tradicionais, resorts, destinos manjados, pra ir atrás de uma viagem acessível, mas que nem todos enxergam – ou estão preparados. Uma viagem para dentro de mim mesmo, me desconectei totalmente do mundo e fiz um retiro de 4 dias de silêncio em um retiro budista no interior de São Paulo, na fronteira com Minas Gerais.
Desde a adolescência sou um admirador do Zen Budismo, tendo lido alguns livros, acompanhado algumas palestras e iniciado na meditação anos atrás, porém, nunca tive a iniciativa para mergulhar de cabeça na prática, pois a oportunidade, todos nós temos, mas somente diante de tantas restrições de viagens é que esta alternativa me pareceu viável, pois em “outros carnavais” certamente eu teria optado por um resort no Nordeste, alguma cidade turística na Europa, visitar algum destino desconhecido na América do Sul ou o tradicional, mais do mesmo, passeio consumista nos Estados Unidos.
Encontrei o mosteiro Taikanji após algumas buscas na internet, além do monge ter um histórico comprovado, o lugar é muito bem localizado, fácil acesso, inclusive para quem vem de outros estados, as instalações eram bem conservadas, tudo com cara de novo, não é nenhum hotel 5 estrelas com um restaurante com categoria Michelin, mas este realmente não era o motivo da minha viagem, de voltar ao velho normal, eu queria algo novo.
Não me considero um executivo chato no que tange a exigências na hora de viajar, em geral, uma única consideração que faço é de que o hotel seja próximo ou de fácil acesso ao meu destino final, evento ou escritório, para que eu possa investir menos tempo nos deslocamentos, mas confesso que já tive os meus “pitis”, meus momentos e minhas crises de Prima Dona, de reclamar de coisas banais ou mesmo de não apreciar com um olhar diferente o momento que a empresa estava me proporcionando, o que os norte-americanos costumam chamar de “take for granted” (em uma tradução livre, seria o “tomar algo como certo” e não valorizarmos o que recebemos). Como me disse o monge na sessão individual que tivemos, único momento de quebra do silêncio de 4 dias para um bate-papo: “Nós precisamos de tão pouco para viver”. Eu realmente tive que calcular, aquelas contas financeiras que fazemos mentalmente sobre a minha estadia e, de fato, concordar.
O mosteiro fica em uma região linda e privilegiada, uma benção da natureza, um santuário que nem parece estar a quase 3 horas de São Paulo, onde não se escuta um barulho de automóvel, mesmo estando a 10 minutos da Fernão Dias, e ensurdecedor mesmo são os sons da natureza, alguns latidos, zumbidos, mugidos entre o constante vento movimentando folhas e arbustos e claro, tudo isso beneficiado pela não interferência do ser humano que tinha o comprometimento de permanecer em silêncio curtindo o presente, inclusive, uma requisição do mosteiro e em específico neste retiro. Uma outra demanda, só que minha, foi a de não tocar no meu smartphone em nenhum momento desta jornada, além de não usar o meu relógio, tudo isso, junto com o ato de não falar, permitiu que eu tivesse uma das viagens mais presentes de toda a minha vida.
As refeições, todas vegetarianas, simples, saborosas e criativas, me deram a oportunidade de comer diversos alimentos que nunca havia experimentado e que tenho até vergonha de colocar aqui, pois não são tão diferentes assim. Apenas me dei conta de que fui uma daquelas crianças mimadas e educada através de um gosto ao paladar nada eclético ou mesmo saudável, a geração “bife com batata frita”, poucos ou quase nenhum legume ou vegetais, então, para mim, a adequação foi ainda maior. Salada de pepino no desjejum? Sério? Sim! Eu me alistei pra isso, então vamos em frente.
Todas as refeições são realizadas através de rituais que me ajudaram a entender o que eu estava comendo, o porquê eu estava comendo e agradecer tudo por mais simples que pareça. Um breve insight me fez refletir sobre quantas refeições caras, muito mais saborosas eu já tinha feito sem dar metade do valor que eu estava dando naquele momento, sem agradecer, mesmo que mentalmente todo o entorno de pessoas que estavam envolvidas naquele simples ato alimentar. Inclusive, pensei em diversos eventos corporativos em que pensamos que a empresa não faz mais do que a obrigação em nos proporcionar todas estas experiências e conseguimos apenas focar mais no que deu errado do que no que está sendo entregue.
Os momentos de meditação faziam parte da rotina, literalmente uma rotina que se repetia mas não era igual, pois nada se repete, até mesmo no filme “Feitiço do Tempo”, a que relata o dia da marmota, o protagonista vive o mesmo dia em um looping quase que infinito, chegando a ter uma crise de loucura, até que, ao invés de tentar lutar contra isso, ele se adapta e consegue viver a mesma rotina de formas diferentes levando um outro olhar para o seu cotidiano. Então, todas as minhas sessões de meditação foram iguais, mesmo ritual, mesmo local, mesmos horários, mesmas dores no joelho, mas de resto tudo sempre diferente, pois nada se repete.
Não posso me esquecer dos trabalhos comunitários leves que fazíamos em dois períodos curtos ao longo do dia, arrancar o mato que rodeia a casa principal, o local de meditação, a outra casa de oração, o alojamento e os caminhos, limpar a cozinha, os banheiros – que nem estavam tão sujos assim, pois o nível de conservação pelos hóspedes era sustentável e responsável, como aprendemos desde o jardim de infância e vamos desaprendendo ao longo do tempo. Iniciamos com o guardar e preservar as nossas coisas como algo bom até almejar e alcançar o “quero alguém para fazer tudo isso para mim”. Ter que me ajoelhar para tirar o mato pela raíz me proporcionou além do contato com a natureza, uma admiração por trabalhos simples, mas importantes, que muitas pessoas desempenham ao longo do dia e deixamos passar desapercebidos. Quando cheguei em casa, após os quatro dias, notei a conversação do jardim na entrada do meu prédio, um espaço pequeno, que passo quase todos os dias, mas que nem lembrava estar ali.
Se não fosse pelos bloqueios estabelecidos por muitos países ao viajante brasileiro, é muito provável que esta seria mais uma daquelas viagens adiadas, deixadas para depois, mas felizmente, eu consegui embarcar em uma viagem que todos nós podemos, viajar pra dentro do seu próprio Eu, e começar a olhar o dia-dia através de uma perspectiva diferente. Ser mais empático, mais solidário, mais grato, pois o novo normal, não depende de fatores externos para acontecer, o mundo novo pode ser alcançado a qualquer momento e depende de cada um de nós embarcar nesta nova viagem.
O monge budista e o viajante corporativo
Acostumado a viajar e agoniado com o momento atual, aproveitei esta pausa de Corpus Christi para fugir. Não apenas do trabalho – pois sou um sortudo de amar o que faço, mas fugir das viagens tradicionais, resorts, destinos manjados, pra ir atrás de uma viagem acessível, mas que nem todos enxergam – ou estão preparados. Uma viagem para dentro de mim mesmo, me desconectei totalmente do mundo e fiz um retiro de 4 dias de silêncio em um retiro budista no interior de São Paulo, na fronteira com Minas Gerais.
Desde a adolescência sou um admirador do Zen Budismo, tendo lido alguns livros, acompanhado algumas palestras e iniciado na meditação anos atrás, porém, nunca tive a iniciativa para mergulhar de cabeça na prática, pois a oportunidade, todos nós temos, mas somente diante de tantas restrições de viagens é que esta alternativa me pareceu viável, pois em “outros carnavais” certamente eu teria optado por um resort no Nordeste, alguma cidade turística na Europa, visitar algum destino desconhecido na América do Sul ou o tradicional, mais do mesmo, passeio consumista nos Estados Unidos.
Encontrei o mosteiro Taikanji após algumas buscas na internet, além do monge ter um histórico comprovado, o lugar é muito bem localizado, fácil acesso, inclusive para quem vem de outros estados, as instalações eram bem conservadas, tudo com cara de novo, não é nenhum hotel 5 estrelas com um restaurante com categoria Michelin, mas este realmente não era o motivo da minha viagem, de voltar ao velho normal, eu queria algo novo.
Não me considero um executivo chato no que tange a exigências na hora de viajar, em geral, uma única consideração que faço é de que o hotel seja próximo ou de fácil acesso ao meu destino final, evento ou escritório, para que eu possa investir menos tempo nos deslocamentos, mas confesso que já tive os meus “pitis”, meus momentos e minhas crises de Prima Dona, de reclamar de coisas banais ou mesmo de não apreciar com um olhar diferente o momento que a empresa estava me proporcionando, o que os norte-americanos costumam chamar de “take for granted” (em uma tradução livre, seria o “tomar algo como certo” e não valorizarmos o que recebemos). Como me disse o monge na sessão individual que tivemos, único momento de quebra do silêncio de 4 dias para um bate-papo: “Nós precisamos de tão pouco para viver”. Eu realmente tive que calcular, aquelas contas financeiras que fazemos mentalmente sobre a minha estadia e, de fato, concordar.
O mosteiro fica em uma região linda e privilegiada, uma benção da natureza, um santuário que nem parece estar a quase 3 horas de São Paulo, onde não se escuta um barulho de automóvel, mesmo estando a 10 minutos da Fernão Dias, e ensurdecedor mesmo são os sons da natureza, alguns latidos, zumbidos, mugidos entre o constante vento movimentando folhas e arbustos e claro, tudo isso beneficiado pela não interferência do ser humano que tinha o comprometimento de permanecer em silêncio curtindo o presente, inclusive, uma requisição do mosteiro e em específico neste retiro. Uma outra demanda, só que minha, foi a de não tocar no meu smartphone em nenhum momento desta jornada, além de não usar o meu relógio, tudo isso, junto com o ato de não falar, permitiu que eu tivesse uma das viagens mais presentes de toda a minha vida.
As refeições, todas vegetarianas, simples, saborosas e criativas, me deram a oportunidade de comer diversos alimentos que nunca havia experimentado e que tenho até vergonha de colocar aqui, pois não são tão diferentes assim. Apenas me dei conta de que fui uma daquelas crianças mimadas e educada através de um gosto ao paladar nada eclético ou mesmo saudável, a geração “bife com batata frita”, poucos ou quase nenhum legume ou vegetais, então, para mim, a adequação foi ainda maior. Salada de pepino no desjejum? Sério? Sim! Eu me alistei pra isso, então vamos em frente.
Todas as refeições são realizadas através de rituais que me ajudaram a entender o que eu estava comendo, o porquê eu estava comendo e agradecer tudo por mais simples que pareça. Um breve insight me fez refletir sobre quantas refeições caras, muito mais saborosas eu já tinha feito sem dar metade do valor que eu estava dando naquele momento, sem agradecer, mesmo que mentalmente todo o entorno de pessoas que estavam envolvidas naquele simples ato alimentar. Inclusive, pensei em diversos eventos corporativos em que pensamos que a empresa não faz mais do que a obrigação em nos proporcionar todas estas experiências e conseguimos apenas focar mais no que deu errado do que no que está sendo entregue.
Os momentos de meditação faziam parte da rotina, literalmente uma rotina que se repetia mas não era igual, pois nada se repete, até mesmo no filme “Feitiço do Tempo”, a que relata o dia da marmota, o protagonista vive o mesmo dia em um looping quase que infinito, chegando a ter uma crise de loucura, até que, ao invés de tentar lutar contra isso, ele se adapta e consegue viver a mesma rotina de formas diferentes levando um outro olhar para o seu cotidiano. Então, todas as minhas sessões de meditação foram iguais, mesmo ritual, mesmo local, mesmos horários, mesmas dores no joelho, mas de resto tudo sempre diferente, pois nada se repete.
Não posso me esquecer dos trabalhos comunitários leves que fazíamos em dois períodos curtos ao longo do dia, arrancar o mato que rodeia a casa principal, o local de meditação, a outra casa de oração, o alojamento e os caminhos, limpar a cozinha, os banheiros – que nem estavam tão sujos assim, pois o nível de conservação pelos hóspedes era sustentável e responsável, como aprendemos desde o jardim de infância e vamos desaprendendo ao longo do tempo. Iniciamos com o guardar e preservar as nossas coisas como algo bom até almejar e alcançar o “quero alguém para fazer tudo isso para mim”. Ter que me ajoelhar para tirar o mato pela raíz me proporcionou além do contato com a natureza, uma admiração por trabalhos simples, mas importantes, que muitas pessoas desempenham ao longo do dia e deixamos passar desapercebidos. Quando cheguei em casa, após os quatro dias, notei a conversação do jardim na entrada do meu prédio, um espaço pequeno, que passo quase todos os dias, mas que nem lembrava estar ali.
Se não fosse pelos bloqueios estabelecidos por muitos países ao viajante brasileiro, é muito provável que esta seria mais uma daquelas viagens adiadas, deixadas para depois, mas felizmente, eu consegui embarcar em uma viagem que todos nós podemos, viajar pra dentro do seu próprio Eu, e começar a olhar o dia-dia através de uma perspectiva diferente. Ser mais empático, mais solidário, mais grato, pois o novo normal, não depende de fatores externos para acontecer, o mundo novo pode ser alcançado a qualquer momento e depende de cada um de nós embarcar nesta nova viagem.