Da Redação   |   20/03/2025 09:21

"Em Sucupira: nosso bem amado Turismo"; leia o artigo de Mariana Aldrigui

Pesquisadora e professora de Turismo na Universidade de São Paulo discorre sobre O Bem Amado, da Globo

Divulgação
Mariana Aldrigui, pesquisadora e professora de Turismo na Universidade de São Paulo
Mariana Aldrigui, pesquisadora e professora de Turismo na Universidade de São Paulo

Disclaimer: A depender da sua idade, nenhum nome que está aqui fará sentido ou despertará lembranças. Sinto muito. Mas recomendo que você procure por “O Bem Amado” no acervo da TV Globo, e pelo podcast Rádio Sucupira da CBN.

“Sucupira, a capital do Turismo brasileiro” era o título do belo volume encadernado que acabara de ser impresso, e entregue na prefeitura. A cidade, sob o comando do lendário prefeito Odorico Paraguaçu, reeditou pela enésima vez seu plano de desenvolvimento turístico, mas como em praticamente toda a cidade brasileira, ele não sairá do papel. Sabendo que poderia se beneficiar de emendas parlamentares e outras verbas disponíveis, Odorico decidiu transformar Sucupira no maior destino turístico do país. “Haveremos de fazer desta terra um oásis de desenvolvimento turismal!”, bradava em seus discursos e nas inaugurações das placas comemorativas para projetos que nunca foram concluídos. Odorico tinha tudo na ponta da língua, e citava inclusive astroturismo, pois não havia lugar no mundo com mais estrelas no céu.

Dirceu Borboleta, agora acumulando o cargo de secretário de Turismo, estudou minuciosamente as estratégias de grandes destinos internacionais. Mas sua timidez e seu medo crônico de contrariar o chefe faziam com que qualquer iniciativa inovadora se limitasse a discursos intermináveis em reuniões em que todos concordavam, aplaudiam, assinavam cartas de apoio e nada acontecia. Entre os projetos estavam feiras de Turismo (sem público), congressos internacionais (sem hotéis), campanhas caríssimas em chinês e japonês.

Odorico, em menos de seis meses, já se apresentava como o prefeito com maior conhecimento turístico de todo o Brasil, quiçá do planeta. Descobriu rapidamente que ‘investir’ no Turismo demandava participar de feiras internacionais, viajar de primeira classe, e festejar em diferentes lugares do mundo. Mas foi discreto ao pedir que não publicassem suas fotos quando foi ver um jogo da Liga dos Campeões. Sucupirenses, por sua vez, se animavam. Liam as notícias nos jornais e celebravam os recordes nos números, mesmo sem enxergar muitos turistas por ali. A pousada e o restaurante local estavam na mesma, e era mais fácil ver os ônibus lotados saindo da cidade no feriado do que o inverso. Um empresário até considerou abrir um hotel de luxo, empolgado que ficou com Turismo regenerativo. Mas ao saber que a pavimentação da estrada e o acesso à internet eram inexistentes, desistiu. A foto do empresário ao lado de Odorico celebrando o projeto, entretanto, segue lá no site d’A Trombeta.

A imprensa local, representada pelo impagável Neco Pedreira, escreveu vários artigos, fez posts em redes sociais e cobrou pelo menos coerência ao prefeito e seus auxiliares. Odorico mais de uma vez levantou a voz: “Não admitirei que a inveja e o negativismo lancem sombras sobre o brilho inefável do progresso turístico sucupirano!” Mas era época de Carnaval – e ninguém conseguia se preocupar. Só celebrar. Afinal, como em várias cidades do Brasil, Sucupira teria o maior carnaval de todos os tempos – as estimativas oficiais apontavam pelo menos 3 milhões de pessoas dançando e cantando, um recorde naquela pequena cidade de 4 mil habitantes.

Esta é uma crônica de ficção. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência, mas fruto do mais puro sucuripiranismo.

Sucupira 2.0

Unsplash/Josh Rose
O Turismo de Sucupira 2.0 era uma obra-prima do marketing
O Turismo de Sucupira 2.0 era uma obra-prima do marketing

Sucupira agora é digital. A cidade, outrora conhecida apenas por seus folclóricos governantes e projetos eternamente inacabados, reinventou-se como um dos destinos turísticos mais virais da internet. E quem melhor para comandar essa revolução do que Odorico Paraguaçu Sobrinho, ou Odoric, herdeiro do legado de discursos inflamados e promessas espetaculares? Em sua gestão, o Turismo virou prioridade - ao menos nas redes sociais.

"Sucupira é o destino do momento!", bradava o prefeito em vídeos diários no Instagram, enquanto inaugurava placas para projetos que jamais sairiam do papel. A estratégia era clara: drones sobrevoando a cidade captando ângulos que faziam qualquer praça parecer uma praia paradisíaca, influenciadores pagos postando sobre o charme rústico das hospedagens (embora omitissem a falta de internet) e eventos com nomes sofisticados para atrair investimentos. “Haveremos de fazer desta terra um oásis do Turismo regenerativo!”, gritava Odoric em suas lives, enquanto assinava convênios para participar em feiras internacionais.

O secretário de Turismo, Dirceu Butterfly, acumulava também a função de social media. Seu grande mérito era ter viralizado um vídeo sobre Sucupira anos antes, o que lhe garantiu a nomeação. Agora, sua missão era manter a ilusão digital da cidade. Fez parcerias com influenciadores para vender o destino como “o segredo mais bem guardado do Turismo brasileiro”, mas os turistas que chegavam encontravam hotéis improvisados, eventos fantasmas e um centro histórico que era apenas um posto de gasolina vintage com um filtro sépia.

A imprensa local, representada pelo incansável Neco Pedreira, não engolia o teatro. “A cidade está bombando? Onde? Com quem? Só se for com os robôs do Twitter!”, escrevia em suas denúncias, que invariavelmente eram respondidas pelo prefeito com indignação: “Não admitirei que a inveja e o negativismo lancem sombras sobre o brilho inefável do progresso sucupirano!”. Enquanto isso, empresários locais tentavam se empolgar com as promessas, mas ao perceberem que a estrada para o prometido ecoresort continuava de terra batida e que a internet só pegava na praça, desistiam. Mas, claro, não sem antes tirar uma foto sorrindo ao lado do prefeito, que ainda usaria a imagem na campanha eleitoral.

O Turismo de Sucupira 2.0 era uma obra-prima do marketing. Os vídeos no Instagram mostravam festivais lotados, mas os turistas que chegavam encontravam apenas um palco com uma caixa de som e um DJ desconhecido. O “Carnaval Permanente” era apenas um carro de som rodando pelas ruas com a mesma música repetida. E o grande “Festival Internacional de Cultura Sucupirana” se resumia a uma festa bancando duplas sertanejas com dinheiro de emendas parlamentares, sem nenhum turista real à vista. Mas ninguém parecia se importar.

Os sucupirenses liam os números recordes nos jornais e acreditavam. “Foram três milhões de visitantes no último feriado!”, dizia a matéria oficial, embora a cidade tivesse apenas quatro mil habitantes. Era um sucesso inquestionável. Até o dia em que um influenciador desavisado, esperando um resort cinco estrelas, fez um vídeo ao vivo do quarto mofado onde se hospedou, mostrando que a “Amazônia de Sucupira” era, na verdade, um bosque com dois coqueiros. O exposed viralizou e colocou em xeque toda a narrativa do Turismo de Sucupira. Mas Odoric não se abalou. Com a câmera já posicionada para uma nova live, respirou fundo e sorriu: “Fake news! Inveja dos concorrentes! O progresso continua!”.

E assim, Sucupira seguia firme como o maior destino turístico que ninguém jamais visitou. Mas, no digital, ainda bombava. Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade… bom, pergunte aos influenciadores de viagens.

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