BRAZTOA analisa impacto da crise da ViagensPromo no setor e na confiança dos agentes
Crença em milagres e promessas infundadas contribuiram pra prejuízo de muitos agentes, diz Fabiano Camargo

O presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), Fabiano Camargo, concedeu uma entrevista esclarecedora ao Portal PANROTAS sobre o impacto da crise da ViagensPromo, o momento das operadoras brasileiras (muitas há décadas no mercado e na entidade) e outros assuntos pertinentes que muito interessam aos agentes de viagens.
Sem censura e sem fugir a assuntos polêmicos, o presidente da Braztoa não aponta dedos ou tenta achar culpados únicos para o clima de instabilidade que surgiu após o estouro do caso VP, mas diz o que cada um pode fazer para melhorar o ambiente de negócios do Turismo brasileiro.
Enquanto alguns se escondem atrás de boatos ou de criar notícias sobre supostos problemas de seus concorrentes, e outros somem nos momentos mais críticos do Turismo, Fabiano Camargo aceitou dialogar, responder perguntas que estão na cabeça de todos, mesmo que sejam imperfeitas no sentido de só entenderem um lado do problema.
Claro que cada um tem de defender o seu setor ou a sua empresa, mas a solução - a começar por sensibilizar as autoridades a fiscalizar e entender o Turismo - passa pela união e não pela indústria de boatos ou da criação de fake news.
Abaixo, separamos as principais frases que compõem essa entrevista SUPER completa! Boa leitura e mandem seu feedback para que possamos seguir com esse diálogo e transformá-lo em mudanças para o setor..
(Com a colaboração de Pedro Menezes)
Pontos mais impactantes da entrevista
- Crises dessa magnitude colocam em xeque não apenas a empresa responsável pelos danos, mas o modelo de negócios do Turismo como um todo.
- Este não é um momento para desconfiança, mas para que as empresas atuem de forma conjunta e reavaliem seus parceiros.
- Não podemos generalizar ou julgar todo um setor por conta de uma ou poucas empresas não idôneas.
- Caso a ViagensPromo fosse associada à Braztoa, teríamos colocado em prática nossa gestão de crise para mitigar os impactos e também publicado uma carta ao mercado.
- Boatos infundados geram pânico desnecessário e atingem operadores experientes e agentes de viagens já fragilizados.
- É essencial diferenciarmos quem está de fato empenhado em construir soluções e fortalecer o setor, daqueles que apenas se aproveitam de momentos de crise
- Foi a crença em 'milagres' que contribuiu para que muitos se deixassem iludir pela ViagensPromo.
- Precisamos de mudanças de todos os players, incluindo agentes de viagens, associações e governo, além dos fornecedores (como podemos ver na entrevista a seguir)
Crise da ViagensPromo impacta negócios de todo o setor - e não apenas as operadoras
PANROTAS – Como você avalia o impacto da crise da ViagensPromo no mercado e em especial em relação à imagem e ao papel das operadoras de Turismo?
FABIANO CAMARGO – A crise envolvendo a ViagensPromo certamente trouxe, e ainda traz, impactos relevantes para o mercado, que vão muito além das vendas afetadas, atingindo não apenas a imagem das operadoras, mas toda a cadeia do Turismo. Embora se trate de uma operadora, crises dessa magnitude colocam em xeque não apenas a empresa responsável pelos danos, mas o modelo de negócios como um todo.
Quando me refiro ao todo, incluo modelos de crédito entre empresas, percentuais de comissionamento, formas de pagamento e o relacionamento entre agências e operadores, que claramente fazem parte desse contexto. Assim, é natural que tenha gerado instabilidade e preocupação entre agentes, fornecedores, consumidores e também outras operadoras, já que o mercado é interconectado.

O papel das operadoras, por sua vez, apesar de momentaneamente questionado, continua sendo fundamental para o Turismo. Somos o parceiro que viabiliza as viagens, conecta os diversos setores, facilita pagamentos e, junto com os agentes de viagens, se responsabiliza solidariamente por todo o processo.
PANROTAS – Como esse caso específico abala a relação de confiança dos agentes de viagens nas operadoras?
FABIANO CAMARGO – Já enfrentamos crises semelhantes no passado, tanto por quebras de operadoras quanto de agências de viagens. Recentemente, tivemos casos de grande repercussão envolvendo Hurb e 123 Milhas, agências de grande porte, além de diversos episódios de golpes praticados e noticiados por agências de viagens de menor escala nos últimos anos, nos quais operadores, hotéis e outros prestadores de serviço acabaram assumindo os prejuízos.
Este não é um momento para desconfiança, mas para que as empresas atuem de forma conjunta e reavaliem seus parceiros, priorizando aquelas que agem com ética, transparência e seriedade, entregando confiança para toda a cadeia. Situações como essa servem de alerta e reforçam a importância de critérios técnicos, reputacionais e de segurança na escolha de parceiros comerciais, fornecedores e clientes. Não podemos generalizar ou julgar todo um setor por conta de uma ou poucas empresas não idôneas.
PANROTAS – Há respingo também nos passageiros afetados?
FABIANO CAMARGO – Toda crise gera transtornos para todos os envolvidos. Desta forma, é impossível imaginar que não houve resquícios ao passageiro final. No entanto, sabemos que a ViagensPromo operava exclusivamente por meio de agências de viagens, que se esforçaram ao máximo para minimizar esses prejuízos, muitas vezes contando com o apoio de nossos associados.
PANROTAS – O dono da ViagensPromo, Renato Kido, dizia, em várias entrevistas no ano passado, que “a conta não fecha”, referindo-se textualmente ao modelo das operadoras. O que acha dessa afirmação?
CAMARGO – Como se pode observar, a conta da ViagensPromo realmente não fechava, ou seja, para o modelo de gestão que ela adotava, a afirmação foi verdadeira. Entretanto, contamos com 56 operadores associados à Braztoa que comprovam que, com gestão equilibrada, aversão a riscos, disciplina financeira e boas relações comerciais, o modelo de operação não apenas é viável, como também é rentável.
Entre boatos sobre a crise das operadoras, Braztoa lança carta aberta

PANROTAS – Logo após o estouro do escândalo, a Braztoa divulgou uma carta aberta na qual criticava diversas ações que a VP havia tomado, alertando os agentes de viagens para essas práticas, como parcelamentos maiores que o mercado, comissão extra e promoções 2 por 1. Por que divulgar esse comunicado? Se a VP fosse associada Braztoa, a entidade divulgaria um comunicado como esse?
FABIANO CAMARGO – O papel da Braztoa é ser o mais clara e assertiva possível, defendendo seus associados e o mercado como um todo. Por isso, lançamos nossa Carta Aberta, expondo diversos pontos de atenção que os agentes deveriam considerar, e também orientando nossos associados a evitá-los.
Além de falar abertamente ao mercado, promovemos discussões internas com nossos associados sobre os rumos que buscamos seguir para manter a solidez e continuar entregando quase 12 milhões de embarques anuais. Também atuamos junto a nossos operadores e outras associações, solicitando apoio tanto aos agentes de viagem quanto aos passageiros finais.
Caso a ViagensPromo fosse associada à Braztoa, não apenas teríamos emitido o comunicado, como também colocaríamos em prática nossa gestão de crise, nos aproximando ao máximo da empresa e buscando soluções conjuntas com nossos associados, mitigando os impactos causados, como, aliás, já ocorreu em situações no passado.
PANROTAS – Logo após o estouro da crise da ViagensPromo, iniciou-se uma série de disseminação de notícias sobre a saúde financeira de outras operadoras. Como a Braztoa pode ajudar a conter a indústria de boatos, que muitas vezes nasce de associados falando mal de concorrentes, lançando incertezas no mercado?
FABIANO CAMARGO – Infelizmente surgiram diversos boatos sem qualquer base concreta após o início da crise da ViagensPromo. Essas informações infundadas geram pânico desnecessário, especialmente entre os pequenos agentes de viagens, já fragilizados, mas acabam também atingindo operadores experientes. Incentivamos um ecossistema coletivo dentro da associação, pois é muito mais fácil crescer em grupo do que isoladamente.
No entanto, respeitamos a liberdade individual de cada operador para pensar e se manifestar de maneira distinta da abordagem oficial que adotamos. Consideramos essa pluralidade saudável, mesmo que eventualmente discordemos de certos posicionamentos e declarações.
Recomendamos, portanto, que os leitores se atentem aos comunicados oficiais das associações, que consolidam informações com responsabilidade e buscam entregar um conteúdo o mais correto e assertivo possível. Por fim, não consideramos saudável nem produtivo participar de grupos extraoficiais, como WhatsApp, ou interagir com perfis em redes sociais que se autodenominam representantes do Turismo, mas que não possuem representatividade real.
É essencial diferenciarmos quem está de fato empenhado em construir soluções e fortalecer o setor, daqueles que apenas se aproveitam de momentos de crise para autopromoção ou ganhos próprios. São estas 'pseudo associações' surgidas em redes sociais, que frequentemente disseminam desinformação e oferecem falsas promessas. Foi justamente a crença nesses 'milagres' que contribuiu para que muitos se deixassem iludir pela ViagensPromo.
PANROTAS – O Código de Ética da Braztoa cobre esse tipo de ação por parte do associado?
FABIANO CAMARGO – Nosso trabalho se fundamenta em um item do nosso Estatuto Social. O artigo 9º determina que o associado deve: "Manter conduta, inclusive por empresas de qualquer forma coligadas, no Brasil ou no exterior, junto a fornecedores, congêneres e consumidores, que não prejudiquem a imagem da categoria e da Braztoa”. Esse princípio deve nortear a conduta de cada associado.
Evidentemente, quando falamos de situações de golpe ou fraude, independentemente de regulamentações, sejam estatutárias ou não, uma associação, qualquer que seja, não tem o que fazer.

"É fundamental se informar por veículos confiáveis como a PANROTAS"
PANROTAS – Outros assuntos que preocuparam os agentes de viagens envolvendo operadoras ou seus donos foram alvo de investigação da Braztoa ou não eram relevantes para preocupação e apenas notícias intensificadas por boatos maldosos?
FABIANO CAMARGO – Obviamente, todos esses temas são bastante relevantes e, sempre que tomamos conhecimento, conversamos individualmente com cada envolvido. Em todas estas ocasiões, cada situação foi explicada de forma transparente, confortável e fundamentada. Nenhum desses casos, salvo melhor juízo, teve ou tem impacto junto a clientes e fornecedores.
Além disso, de modo que não havia, e não há, o que a associação comentar, até porque o posicionamento público é uma prerrogativa de cada empresa. Ressalto, ainda, que seria inadequado a associação emitir uma carta validando a empresa A ou B em detrimento das demais associadas, salvo se, de fato, algo ocorresse.
Por fim, sabemos que, algumas vezes, surgem boatos alimentados por concorrentes. Não cabe a nós julgar as intenções por trás disso, que podem variar desde a falta de conhecimento até interpretações equivocadas do cenário. O fato é que, quando esse tipo de especulação se soma à atuação de mídias sensacionalistas e à proliferação de grupos em redes como WhatsApp e Instagram que divulgam informações falsas para ganhar visibilidade, criam-se falsos problemas. É fundamental que o trade busque sempre se informar por meio de veículos confiáveis, como a PANROTAS, entre outros.
PANROTAS – Você acha que as entidades podem dar um passo além para acompanhar a saúde financeira de suas associadas? Há exigências para entrar, mas não há um acompanhamento? A Abracorp, pelo que soubemos, exige uma declaração anual sobre a saúde financeira das associadas. Acha isso viável?
FABIANO CAMARGO – Não apenas é viável, como na Braztoa já existem procedimentos internos, como o levantamento financeiro e processual das operadoras associadas. Esses levantamentos são realizados pela própria associação, sem depender de declarações individuais.
Havendo qualquer sinal de alerta, prontamente chamamos o associado para entender a situação. Aliás, há diversas formas de buscar informações sobre empresas, e nos surpreende sobremaneira que muitos agentes não adotem esse cuidado considerando que a grande maioria dos nossos fornecedores realiza esse tipo de pesquisa.
PANROTAS – Em que casos a Braztoa suspende um associado? Ou adverte os mesmos? Há quanto tempo isso não ocorre?
FABIANO CAMARGO – Nosso estatuto contempla esse tema em seu artigo 20, mas sempre buscamos resolver qualquer conflito de forma prática, por meio de contato direto com o associado. Entretanto, existem situações em que a solução não é alcançada ou o conflito persiste. Nesses casos, iniciamos um processo interno em que o associado é questionado sobre o tema e tem 10 dias para apresentar sua resposta.
Essa resposta é analisada tanto pelo Conselho de Administração quanto pelo Conselho de Admissão e Ética, dependendo do tipo de infração (ética, inadimplência, descumprimento do estatuto, entre outras), podendo resultar na suspensão dos direitos do associado por até seis meses, ou até a regularização da pendência, e, em casos mais graves, na exclusão do quadro associativo.

Importante destacar que, nos últimos anos, felizmente, conseguimos resolver essas situações diretamente com os diretores. Inclusive, recentemente, houve contato relacionado a uma suposta falta de pagamento a um fornecedor, que, na verdade, tratava-se de um desacordo comercial. Após solucionado, o valor da fatura foi prontamente quitado pelo associado. Os últimos casos em que o processo de suspensão e exclusão foi efetivamente aplicado ocorreram entre 2019 e 2020, ambos relacionados à ausência de pagamento da mensalidade associativa.
Braztoa não acredita em fundos por setor e nem em pagamento em tempo real
PANROTAS – Você acredita que um fundo das operadoras para garantir as operações caso um associado quebre é viável no País?
FABIANO CAMARGO – Não acreditamos que a criação de um fundo garantidor apenas para operadoras seja a solução. Em países onde existem mecanismos semelhantes, o fundo abrange toda a cadeia do Turismo: agências de viagens, operadoras, hotéis e demais membros, com todos contribuindo para que ele seja, de fato, robusto e capaz de atender a eventuais emergências.
Uma proposta como essa deve ser regulamentada e conduzida pelo setor público e, certamente, temos interesse em participar das discussões, pois a melhoria do ambiente de negócios no Turismo é salutar para todos.
PANROTAS – O pagamento em tempo real aos fornecedores seria viável?
FABIANO CAMARGO – Não é viável e tampouco seria a solução. Ao contrário, apenas encareceria a operação e aumentaria os riscos do negócio. Essa ideia partiu de quem desconhece a dinâmica do setor e ignora a complexidade e diversidade do mercado de turismo no Brasil. De forma sucinta, destaco dois pontos principais:
1 – Obrigar o pagamento antecipado e o recebimento em um número maior de parcelas forçaria a antecipação de caixa, resultando em juros elevados para o consumidor.
2 – E o que garantiria que o fornecedor final, nacional ou internacional, não quebrasse? A falência de um grande fornecedor poderia obrigar a operadora a assumir novamente esses custos, colocando sua própria saúde financeira em risco e, consequentemente, gerando ainda maiores prejuízos a clientes e agências parceiras.
PANROTAS – Acha que outras entidades deveriam também ter fundos ou garantias, como Abav, ABIH, Resorts Brasil etc?
FABIANO CAMARGO – Como mencionado numa resposta anterior, um fundo só é viável se abranger todos os setores do Turismo, independentemente de associações e, principalmente, se for regulado pelo setor público.
PANROTAS – E a transformação do pagamento em dólar, atrelado ao CPF do passageiro específico?
FABIANO CAMARGO – Sinceramente, desconheço essa prática e, ainda que possível, considero-a totalmente inviável e inadequada. Sua adoção exigiria a antecipação integral dos valores no momento da compra, o que implicaria em juros de antecipação e encareceria a viagem, como já destacado na resposta anterior.
Além disso, em caso de cancelamento ou alteração, seria necessário realizar o reembolso em reais. Nesse cenário, por exemplo, uma viagem vendida ao câmbio de 6,20 no início do mês, diante de uma cotação atual de 5,86, resultaria em um reembolso inferior ao valor pago pelo passageiro.
Isso ocorre porque, conforme a legislação nacional, a venda de pacotes deve ser realizada exclusivamente em reais, e não em moeda estrangeira. A solução mais adequada, nesse caso, seria a operação de hedge cambial, na qual a taxa de câmbio é assegurada pela instituição bancária.
Braztoa orienta agentes de viagens sobre práticas comerciais de sucesso

PANROTAS – Há perspectivas para um seguro que cubra essas situações?
FABIANO CAMARGO – Sempre que ocorre um grande evento, esse tema volta à tona. No entanto, é importante lembrar que esse seguro já existiu entre 2015 e 2017, sendo ofertado por operadores da Braztoa. Como qualquer seguro, sua comercialização precisava ser opcional para não configurar venda casada, cabendo, à época, aos agentes decidir pela inclusão ou não nos pacotes. Ressalto que a baixa adesão dos agentes em oferecê-lo aos clientes foi o que acabou levando ao seu cancelamento. (matéria publicada aqui).
PANROTAS – Quais suas sugestões práticas nesse aspecto?
FABIANO CAMARGO – Novamente reforçamos a importância da escolha criteriosa do parceiro comercial, especialmente quando ele atua na intermediação de serviços ou produtos. É fundamental pesquisar sobre o fornecedor, consultar certidões públicas disponíveis e analisar essas informações com parcimônia. Se vende muito resort por meio de um operador, entre em contato diretamente para confirmar se os pagamentos estão em dia.
Além disso, existem seguros de Responsabilidade Civil que as agências podem contratar e que muitos operadores também possuem. Porém, o mais importante precisa ser dito com clareza: o agente de viagens deve parar de se deixar seduzir por uma comissão ligeiramente maior, por um “iPhone” ou por parcelamentos a perder de vista. É preciso deixar de acreditar em promessas vazias.
PANROTAS – Você defendeu, no artigo divulgado, a mudança de mentalidade dos agentes de viagens em relação a promoções e condições fora do usual do mercado. Como o agente de viagens pode perceber esse tipo de atuação artificial dos fornecedores em geral?
FABIANO CAMARGO – Muitas vezes, sinais de risco são percebidos, mas ignorados. Em uma audiência pública no Distrito Federal, um agente chegou a afirmar que sabia dos problemas da ViagensPromo, mas, ainda assim, decidiu continuar comprando. Por isso, é fundamental que os agentes de viagens avaliem com profundidade seus parceiros comerciais.
É preciso refletir: em que critérios essas escolhas estão baseadas? Na consistência do fornecedor ou em atrativos superficiais, como comissões mais altas, brindes, estandes chamativos ou eventos exclusivos? Não se pode deixar levar por promessas ilusórias que desafiam a lógica do mercado. A escolha deve considerar a postura da empresa, sua reputação, a regularidade da operação e a coerência entre o que promete e o que efetivamente pode entregar.
Nosso comunicado “O óbvio que precisa ser dito” aborda exatamente esses pontos. Mais do que nunca, é essencial agir com responsabilidade, sem permitir que o brilho de uma oferta ofusque o bom senso e a análise técnica.
Justiça tende a responsabilizar toda a cadeia em prol do consumidor
PANROTAS – Como vê o papel do Judiciário no caso de quebra de fornecedores que prejudicam a cadeia do Turismo? O que o judiciário precisa saber e entender sobre essa indústria?
FABIANO CAMARGO – O papel do Judiciário é aplicar e interpretar a lei. No entanto, a indústria do Turismo possui características muito específicas que, muitas vezes, não são conhecidas por quem julga. Um exemplo é a forte interdependência entre os diversos negócios do setor: agências, operadoras, hotéis, companhias aéreas e outros prestadores de serviço atuam de forma conectada o tempo todo, tanto nas relações entre empresas (B2B) quanto diretamente com o consumidor final (B2C).
Quando ocorre uma falência ou problema, como no caso da ViagensPromo, as relações entre empresas são tratadas com base nas leis civis e comerciais, ou seja, como questões comerciais comuns. Já quando o impacto atinge o consumidor, entra em cena o Código de Defesa do Consumidor, que garante uma proteção especial.
O grande ponto é que, hoje, a Justiça tende a responsabilizar solidariamente todos os envolvidos na cadeia — inclusive agentes de viagens e operadores — para proteger o consumidor. O problema é que, muitas vezes, esses profissionais também são vítimas da falência do fornecedor.

Assumir o prejuízo sem ter condições pode levar o agente ou operador a fechar as portas, prejudicando ainda mais consumidores e o mercado como um todo. É importante compreender que o consumidor deve, sim, ser protegido, mas a responsabilidade dentro da cadeia precisa ser distribuída de forma mais justa.
Atualmente, decisões que transferem automaticamente todo o peso de uma falência para o agente de viagens ou operador geram insegurança jurídica e desestimulam novos negócios no setor. Por isso, seria fundamental:
- Atualizar as leis, para equilibrar melhor a proteção do consumidor e dos intermediários;
- Trabalhar a conscientização do Judiciário e das autoridades sobre o funcionamento real da cadeia do turismo, evitando julgamentos que agravem ainda mais o cenário para todos.
PANROTAS – Como o judiciário pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – Com maior previsibilidade e segurança jurídica, preservando a autonomia negocial entre as partes e buscando mais equilíbrio nas decisões que envolvem as relações de consumo. Reforça-se: o consumidor deve ser sempre protegido, mas é necessário estabelecer uma distribuição mais equilibrada de responsabilidades na cadeia turística. É fundamental deixar claro que, sem consumidor, não há atividade empresarial ou turística, mas, da mesma forma, sem atividade econômica, não há consumidor.
Governo deveria exercer um papel imprescindível de fiscalização
PANROTAS – E o papel do governo como fiscalizador do setor? Há 47 mil agências de Turismo cadastradas no Cadastur do MTur. Como avalia esse número e a necessária fiscalização? O mesmo vale para as empresas aéreas, que são concessão do governo. Por que quando uma delas quebra ou para de operar, não há uma proteção para a cadeia distribuidora e para o consumidor?
FABIANO CAMARGO – O governo deveria exercer um papel imprescindível de fiscalização, considerando que, para atuar como prestador de serviços turísticos, é necessário cumprir requisitos legais e possuir cadastro específico (Cadastur). Essa necessidade é ainda maior no caso das empresas aéreas, que operam mediante concessão de serviço público. No entanto, a realidade não corresponde a essa exigência.
Ao longo dos anos, temos visto empresas — inclusive aéreas — atuando sem que o governo, responsável por conceder a permissão para a prestação do serviço público, se manifeste. Seria fundamental abrir uma discussão com o poder público para que ele traga essas respostas ao setor e, em conjunto, possamos buscar soluções.
Além disso, é imperativo que o governo fiscalize a Iata, que impõe garantias excessivas a agentes e operadores para a venda de bilhetes, mas, em contrapartida, não exige qualquer garantia das companhias aéreas para operarem no Brasil — mesmo diante dos inúmeros prejuízos já causados por essas empresas ao mercado.
PANROTAS – Como o governo pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – Focando exclusivamente na questão da regulamentação do setor para evitar esses prejuízos, acredito que o caminho esteja em avançar nas tratativas para a implementação de um fundo garantidor e na continuidade da discussão sobre a responsabilidade solidária, buscando finalmente a aprovação dessa lei.
Qual é o papel da Braztoa, dos agentes, da imprensa e das entidades de Turismo?

PANROTAS – Como a Braztoa pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – A Braztoa atua constantemente na defesa de seus operadores associados e na construção de um mercado de Turismo mais saudável. Participamos de debates e propomos ações junto a órgãos públicos, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Também desenvolvemos estudos, mapeamos tendências e promovemos sessões de inteligência para capacitar nossos associados a oferecer produtos e condições cada vez melhores aos agentes de viagens.
No entanto, é importante fazer algumas ressalvas. Por ser uma entidade privada, a Braztoa possui limitações de atuação: não podemos interferir na gestão das empresas associadas, pois isso violaria a legislação e princípios como a livre iniciativa e a autonomia das relações comerciais, além de poder gerar responsabilidades legais para a entidade. Adicionalmente, a Braztoa não possui poder regulamentar. Ou seja, não pode impor regras ao mercado nem obrigar as empresas a seguir determinações.
PANROTAS – Como as entidades podem ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – O primeiro ponto é a união. Como vimos durante a pandemia com a criação do G20, unidos conseguimos importantes vitórias como a lei dos cancelamentos, o PERSE e a aprovação da Lei geral do Turismo. É triste perceber que, mesmo após tantos avanços, ainda haja associações que optam por caminhar sozinhas.
PANROTAS – Como os agentes de viagens podem ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – Os agentes são a razão de existir dos operadores e, por isso, seus principais parceiros. Ressalto a palavra PARCEIROS. Em uma cadeia tão interligada como a do Turismo, na qual agentes e operadores atuam como intermediários, essa união é fundamental.
Quando os agentes se posicionam apenas como clientes e exigem condições inviáveis para comercializar, toda a cadeia acaba sendo impactada. É essencial agir com responsabilidade, escolhendo bem os parceiros, mantendo uma postura ética e transparente, e evitando as “promoções mágicas” que, vez ou outra, surgem no mercado.
PANROTAS – Como a imprensa pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – A imprensa é fundamental. É preciso priorizar informações corretas e responsáveis, evitando o sensacionalismo, com o propósito de informar e instruir. Isso nos leva novamente à questão dos boatos: é essencial checar as fontes e validar os dados antes de publicar, para não gerar insegurança no mercado.
Também é importante valorizar o leitor, oferecendo conteúdos que contribuam para seu crescimento pessoal e profissional, incentivando o debate qualificado, destacando inovações e promovendo boas práticas. Esta série de perguntas é um excelente exemplo de como produzir conteúdo que impulsiona o desenvolvimento do setor. Meus parabéns!
PANROTAS – Como o trade pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Turismo?
FABIANO CAMARGO – O trade é formado por agentes, operadores, mídia especializada, companhias aéreas, hotéis e todos os que integram esse ecossistema. Acredito que todas as questões já foram contempladas nas respostas anteriores.

PANROTAS – A união do Turismo por causas como o Perse, reforma tributária e Lei Geral do Turismo não foi suficiente para termos vitória importante. Estamos mesmo unidos em torno das causas que abrangem a todos? Como melhorar essa união?
FABIANO CAMARGO – A união das associações do Turismo, como já mencionado, é imprescindível. Foi justamente por meio dessa articulação conjunta que alcançamos as conquistas citadas. Embora algumas não tenham saído exatamente como desejávamos, todas representaram avanços significativos para o setor. Infelizmente, ainda existem entidades que buscam vitórias isoladas e não percebem que o ganho coletivo é muito mais relevante do que conquistas individuais.
Em alguns momentos, agendas particulares, vaidades pessoais e a busca por protagonismo se sobrepõem ao que realmente importa, comprometendo a construção de soluções coletivas para o setor. Superar essas fragmentações exige maturidade institucional, disposição para o diálogo e visão do coletivo. Mas apontar como superar isso é difícil, pois, como seres humanos, estamos sujeitos às complexidades naturais das relações.
Camargo estranha desconfiança dos agentes em operadores corretos
PANROTAS – Como melhorar o nível de confiança de passageiros e agentes de viagens em relação aos fornecedores e em especial as operadoras?
FABIANO CAMARGO – Mais uma vez, destaco que agentes de viagens e operadores devem ser parceiros. Para isso, é fundamental que ambos ajam com ética e respeito mútuo. A confiança não se conquista de forma rápida, mas sim com trabalho árduo e diário, alinhando a prática ao discurso.
Causa estranhamento como operadores que entregam resultados consistentes, adotam uma gestão responsável e atuam lado a lado com os agentes — oferecendo suporte às vendas e aos clientes, focando nas agências de viagem, resolvendo rapidamente os problemas e apoiando seus parceiros, como ocorreu no caso da ViagensPromo — ainda sejam alvo de desconfiança.
PANROTAS – Acredita que uma entidade guarda-chuva, para tratar dos temas políticos, como existe nos EUA, com a U.S Travel, pode ser uma solução?
FABIANO CAMARGO – Não temos uma opinião definida sobre o tema. Esse tipo de associação apresenta diversos prós e contras. Uma entidade guarda-chuva pode, de fato, ampliar a representatividade do setor e conferir mais peso político às pautas do Turismo. Por outro lado, esse modelo pode gerar conflitos, considerando a diversidade do setor e seus interesses específicos. Também existe o risco de disputas internas e desafios de gestão.
A recente união do setor em momentos estratégicos, como no G20 do Turismo e durante crises recentes, demonstrou que a articulação conjunta é eficaz. Por isso, talvez o melhor caminho, neste momento, seja fortalecer a colaboração entre as entidades já existentes, ao invés de criar uma nova estrutura.
Os gargalos do setor e as perspectivas para o futuro das operadoras

PANROTAS – Que gargalos do setor (não apenas das operadoras, mas do Turismo em geral) você acha que precisam ser resolvidos com urgência?
FABIANO CAMARGO – É muito difícil apontar os gargalos do Turismo de forma geral, pois o Brasil enfrenta diversos desafios. Um dos principais é a qualidade da mão de obra, ainda marcada pela carência de preparo técnico e pela escassez de opções de treinamento. A maioria das empresas, inclusive, recorre ao treinamento interno. Somam-se a isso:
- a baixa concorrência no setor aéreo,
- a limitada conectividade,
- uma legislação defasada, com destaque para o transporte rodoviário, a insegurança jurídica
- e, por fim, a falta de união entre os players do mercado.
PANROTAS – Quais as perspectivas para o Turismo, e em especial, o negócio das operadoras, para os próximos anos, diante desses gargalos e dessa crise aberta com o caso VP?
FABIANO CAMARGO – Apesar do caso da ViagensPromo, as perspectivas para o setor são excelentes. O Turismo mantém um viés de alta, e os operadores têm registrado, nos últimos anos, um crescimento expressivo. Nossas pesquisas internas indicam que essa tendência positiva deve continuar nos próximos anos.
Estamos vivendo um momento de expansão no setor, no qual o suporte ao consumidor se tornou ainda mais relevante após a pandemia. As operadoras Braztoa compreenderam essa transformação, se adaptaram e seguem atuando com responsabilidade.
PANROTAS – O caminho das operadoras continua sendo B2B e B2C? Como vê a distribuição pelas agências e a evolução da venda direta pelas operadoras?

FABIANO CAMARGO – O canal de distribuição segue um padrão muito semelhante em todo o mundo. Não existe fórmula mágica nem soluções milagrosas. Entre nossos associados, quase 80% das vendas são realizadas por meio de agências de viagens e essa realidade tende a se manter. O foco do operador é, e continuará sendo, o trabalho com as agências parceiras. O B2C existe como um complemento, jamais como substituição desse elo da cadeia.
Por outro lado, observamos algumas agências tentando assumir a operação diretamente. Na minha visão, esse é um caminho mais arriscado. Ao optar por operar, a agência assume integralmente as responsabilidades: desde os custos operacionais, financeiros e cambiais até o risco de golpe, inadimplência ou quebra de algum parceiro contratado, que hoje gera grande preocupação.
Camargo teme busca direta por fornecedores
PANROTAS – Acredita que casos como o da VP podem levar as agências a buscar fornecedores diretamente – ou seja, uma operação direta? O mesmo para os passageiros? Tudo isso favorece a venda direta com fornecedores?
FABIANO CAMARGO – Não só acredito que isso possa acontecer, como já observamos esse movimento em algumas agências. Mas, sinceramente, considero um grande erro. A quebra pode ocorrer em qualquer ponto da cadeia: agências, operadoras, fornecedores ou até hotéis. Nesta semana, por exemplo, uma agência cliente minha foi vítima de um golpe aplicado por um fornecedor na África. E, diante de situações assim, quem presta auxílio? Como resolver? Muitas vezes, infelizmente, não há solução.
Operar diretamente também exige conhecimento técnico e estrutura adequada. Poucas agências contam com a robustez necessária, uma gestão de risco eficiente e uma equipe preparada para esse desafio. Além disso, os operadores mantêm acordos comerciais diferenciados. Agências que optam por comprar diretamente, na maioria das vezes, não obtêm as mesmas condições de negociação ou margem de lucro e, ainda, assumem mais riscos, acumulando, no final, mais problemas do que benefícios.
Considerações finais de Fabiano Camargo
- O Turismo é um negócio rentável desde que sob uma gestão responsável e com visão de longo prazo. Essa premissa vale para toda a cadeia — operadores, agências, fornecedores e demais atores envolvidos.
- Devemos rever nosso modo de fazer negócio e entender que não existem condições para competirmos com valores on-line oferecendo comissões elevadas e parcelamentos a perder de vista. Nosso foco como intermediário deve ser a excelência no atendimento, na curadoria e na confiança que oferecemos. Como intermediários, devemos entender a importância de nossa função, e isso começa por nos valorizarmos como profissionais.
- Agências de Viagens e Operadores são parceiros e devem agir desta maneira. Muitas autointituladas associações, grupos de WhatsApp ou organizações de agentes que não possuem respaldo algum buscam propagar boatos sensacionalistas e sugerem ações não exequíveis ou, ainda, sem capacidade para solucionar os problemas enfrentados. Espero que agentes e operadores não sigam esses falsos profetas.
- Por fim, parabenizamos por esta iniciativa que espero que tenha trazido um pouco de luz aos questionamentos e nos colocamos à disposição sempre que a PANROTAS precisar.