O que cobrar do Ministério do Turismo? Mariana Aldrigui dá a letra
Para a professora e pesquisadora em Turismo na USP, pasta está em dívida com a sociedade desde 2012
ARTIGO
"No final de 2023, bem no finalzinho, quando pouca gente prestava atenção nas notícias vindas do Congresso, circulou a informação de que, para o orçamento de 2024 o Ministério do Turismo havia garantido um aumento de 749% em seu orçamento anual, sendo o líder absoluto em volume de crescimento a partir de emendas parlamentares. Dois outros ministérios também ocupados por políticos do centrão também estavam nesta lista – Esporte (321%) e Desenvolvimento Regional (71%).
Menos de um mês depois, o Governo anunciou o corte de parte desta verba, indicando e retirada de R$ 1,7 bilhão do MDR, R$ 950 milhões do Turismo e R$ 501 milhões do Esporte. E com isso deu-se início a mais uma grande batalha entre o Congresso e o Governo. A disputa ainda está acontecendo, e impressiona que o montante seja alto mas, em sua maioria, o setor produtivo ignora o teor das emendas.
Mais que isso, não vai ser surpresa nenhuma se, ainda que haja cortes, os projetos pensados (e mantidos) para o Turismo brasileiro sejam inócuos, ou mesmo sem sentido. Para tentar colocar as coisas em perspectiva, vale lembrar que ter como ministro um sanfoneiro desafinado já demonstrava que o próprio setor não se levava a sério. Como orientam os diplomatas, é necessário buscar o diálogo e o entendimento, mas eu sempre imagino se setores como a indústria, o agro ou a saúde aceitariam tamanho desrespeito. A esperança de algo um pouco melhor se desfaz quando a nomeação para o ministério trouxe uma deputada que só saiu do anonimato para voltar logo depois a ele, tendo como marca ser “do marido”.
Foi substituída por um nome mais articulado politicamente, vinculado ao Estado que pode (ou não) sediar a COP30, e que aparentemente sabe onde ficam as chaves do cofre do presidente da Câmara. Que entende tanto de Turismo quanto todos os outros, e que, mais uma vez, aprendeu rapidamente a repetir as obviedades que são ditas à exaustão, mas que dificilmente vai conseguir dar ao ministério a relevância que todos nós gostaríamos. E que, para surpresa de zero pessoa, gostou muito da possibilidade de viajar e participar de eventos internacionais. (Justiça seja feita, todos nós gostaríamos dessa possibilidade).
E o que isso tem de errado? Na verdade, não se trata de erro, mas como tudo em política, de escolha adequada das prioridades. No Brasil, especialmente pós 2020, o Turismo é fundamentalmente doméstico (95%) e realizado em vias rodoviárias. Para o Turismo internacional, existe a Embratur, cuja missão é trabalhar pelos 5% restantes para que, quem sabe, cheguem a 8% daqui uns dez anos.
Ao Ministério do Turismo compete a compreensão da dinâmica política para que, reconhecendo os desafios do setor, encontre as oportunidades de apresentar os projetos mais adequados para a remoção dos entraves, abrindo caminho para negócios que gerem mais empregos e paguem mais impostos, estimulando o setor em todos os Estados.
Não faz sentido, por outro lado, que se desperdice dinheiro público em eventos como o Salão do Turismo, cuja edição de 2023 mais parecia uma feira de ciências de baixo orçamento, em uma data completamente equivocada e com números absolutamente fantasiosos em termos de público (ninguém me contou, eu estava lá).
Faz menos sentido ainda propor que as secretarias estaduais de Turismo financiem edições regionais do Salão do Turismo para estimular o emissivo, quando a razão de ser destas pastas é justamente a atração de turistas. Para além de já existirem eventos consolidados que trabalham justamente com este objetivo, é desvio de foco, desperdício de tempo e de dinheiro, e atestado de incompetência coletiva no estabelecimento das prioridades.
Em relação à inteligência do Turismo nacional, o MTur está em dívida com a sociedade desde 2012, ano em que foi realizada a última pesquisa de demanda. Desde então, Estados e municípios trabalham com base em percepções recortadas, análises parciais ou, muitas vezes, sem dados. E é fundamental que tal pesquisa seja feita hoje em condições melhores, mais inteligentes e com base tecnológica diferente daquela usada até 2012.
Em novembro durante a WTM Londres, quando foi convidado a participar de reunião para fazer do Brasil um modelo da gestão de dados e de inteligência do Turismo, o ministro achou melhor não participar. Da mesma forma, preferiu sair da discussão sobre qualificação profissional em Turismo organizada por OMT e WTTC, quando seus pares de todo o mundo apresentaram seus projetos e interesses em parcerias estratégicas. Do ministro em si, não acho correto cobrar que compreenda todas as particularidades do setor. Mas não é aceitável que as demandas que cheguem à equipe que o assessora sejam tão simplistas, quase ingênuas. E não é possível continuar aplaudindo mediocridades.
É ano de eleição, ano em que os projetos precisam ser localizados, estratégicos e eficientes – e devem passar pela melhoria imediata da condição das estradas que dão acesso aos atrativos, da ampliação da conectividade terrestre (e aérea também), da concessão de crédito em condições coerentes com a atividade, da ampliação da cobertura de sinal de celular para otimizar a comercialização e da produção consistente e adequada de informações relevantes sobre o setor para auxilio na tomada de decisão para mais investimentos.
Como já foi dito por quem entende mais do que eu – o setor empresarial é que deve pautar o ministério, e não o contrário."
Por Mariana Aldrigui, professora, pesquisadora em Turismo na USP, e ex-gerente da Embratur
Este artigo é parte integrante da Revista PANROTAS 1.574 - Edição Especial Fórum PANROTAS: