Filip Calixto   |   08/01/2024 16:04
Atualizada em 11/01/2024 14:43

Perse e MP 1202/23: o que o setor de eventos pode esperar para 2024?

Advogado Fabio Monteiro Lima explica o que mudou e quais as razões para as modificações

Divulgação
Fabio Monteiro Lima é advogado e especialista em direito tributário, com atuação no setor de Turismo
Fabio Monteiro Lima é advogado e especialista em direito tributário, com atuação no setor de Turismo

Com a publicação, no dia 29 de dezembro de 2023, da medida provisória que revoga o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), representações de setores variados classificaram como equívoco a decisão do governo federal e do Ministério da Fazenda. Mas diante da decisão já tomada e de um novo quadro para a atividade, o que esperar para 2024? Quais as razões que ocasionaram a nova MP e como ela impactará o setor?

Baseado em questões como essas, o advogado Fabio Monteiro Lima, especialista em direito tributário e tem atuação no setor de Turismo no escritório Lima e Volpatti Advogados Associados, faz algumas considerações válidas para profissionais, empresas e entidades do segmento, ponderando o que é importante saber no meio de tantas modificações. Confira:

O Perse e a MP 1202/23 - O que esperar para 2024?

Diversos setores econômicos foram atingidos em 29 de dezembro do ano passado pela Medida Provisória nº 1.202 que disparou três cargas contra os contribuintes:

  • i) revogação da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores, com escalonamento da reoneração;
  • ii) limitação à compensação e restituição de créditos tributários e;
  • iii) revogação do Perse, afetando o setor de turismo e eventos e objeto deste artigo.

a) As razões da MP 1202/23

Segundo a Exposição de Motivos, a razão da revogação do Perse seria o "impacto fiscal do benefício, associado à ausência de estudos que demonstrem a relevância e a eficácia do gasto indireto".

Quanto ao impacto, o Ministério utiliza dados da EFD-Contribuições (escrituração para apuração das contribuições ao PIS e à COFINS) de que, no período de janeiro a agosto de 2023, os contribuintes teriam indicado o total de R$ 115 bilhões de receitas sujeitas ao Perse, do que a Fazenda estima que signifique entre 17 a 32 bilhões de reais em despesas tributárias.

Já salta aos olhos que o Ministério não sabe categoricamente quanto o Perse custou em isenções fiscais, diferente da precisão alegada pelo Ministro na véspera do anúncio. Isto porque dos quatro tributos sujeitos ao Perse, dois são apurados sobre a receita bruta (Pis/Cofins) e dois são apurados sobre o lucro (IRPJ e CSLL), valor que a RFB/Fazenda terá apenas em julho de 2025 com a ECF-2023. E a Fazenda não divulgou a metodologia de estimativa, mas podemos afirmar sua imprecisão pela margem de, pelo menos, 100%.

Uma metodologia mais clara seria utilizar a proporção de anos anteriores de arrecadação sobre a receita bruta, dado que a Receita Federal disponibiliza. Utilizando o exercício de 2019, último ano pré-pandemia, e os dados relativos ao CNAE da hotelaria para empresas do lucro real e presumido, teríamos um cenário bem distinto. Nestes dados sabemos que a arrecadação destes quatro tributos representou 5,66% da receita bruta das empresas. Trazendo esta proporção para 2023, a despesa tributária não superaria R$ 6,5 bilhões, ou 62% a menos que o piso estimado pelo governo.

Quanto à alegação de falta de estudos sobre a eficácia do estímulo fiscal, temos de pensar em dois pontos. Primeiro, é obrigação do Governo Federal realizá-los, o que não cumpriu. Compete ao Ministério do Planejamento a "avaliação dos impactos socioeconômicos das políticas e dos programas do governo federal". Portanto a falta estatal em realizar o estudo não pode justificar o encerramento prematuro do Programa em prejuízo ao contribuinte.

Em segundo lugar, os dados já disponíveis permitem concluir a alta eficácia do Perse no seu objetivo de retomada do setor de eventos. Segundo a Agência Gov, com dados do Ministério do Trabalho e Emprego:

O Turismo vem batendo recordes mensais em 2023 e contribuindo, cada vez mais, com a geração de postos de trabalho no Brasil. Em setembro, foram criados 24,4 mil novos empregos com carteira assinada dentro do setor. (...) A ocupação na área de “Alojamento e Alimentação” alcançou o melhor desempenho na série histórica do ano, chegando no nono mês do ano com mais de 16.6 mil novos empregos. O setor de "Transporte Rodoviário de Passageiros" manteve crescimento em relação a agosto, alavancando 2.8 mil vagas, assim como a área de “Arte e Cultura”, que garantiu 2.3 mil novos cargos.

Nos 12 meses anteriores à MP 1202, os setores com maiores taxas de crescimento de empregos foram Artes, Cultura, Esporte e Recreação (+9.88%) e Alojamento e alimentação (+6.4%), somando 146.682 (cento e quarenta e seis mil) empregos gerados, ajudando a média nacional de 3,4% de variação positiva do emprego.

Analisando o histórico dramático de perdas de receitas e empregos no setor, vemos que o Perse foi fundamental para os bons resultados ao melhor programa social que existe, o emprego.

Portanto, podemos considerar que as razões alegadas pelo Ministério da Fazenda aparentam não se sustentar em rápida análise.

b) A tramitação e a tomada de decisão das empresas do setor

A Medida Provisória reconhece a aplicação dos direitos fundamentais do contribuinte à anterioridade nonagesimal (noventa dias) para as contribuições (CSLL, PIS e COFINS) e de exercício (anual) para o Imposto de Renda. Por isso, as alíquotas ordinárias retornam para os fatos geradores a partir de 1º de abril de 2024 para as contribuições e 01/01/2025 para o Imposto de Renda.

A Medida Provisória tem validade imediata, mas deve ser confirmada pelo Congresso Nacional no prazo máximo de cento e vinte dias que, considerando o início do ano legislativo em 01/02/2024, encerra-se em 01/06/2024. Dado que Pis/Cofins tem apuração mensal e recolhimento no dia 20 do mês seguinte, temos que o primeiro tributo (in)devido terá vencimento em 20/05/2024, a 10 (dez) dias do encerramento da tramitação.

Dado que diversos parlamentares já manifestaram seu repúdio à abrupta revogação do Perse, e que as diversas entidades de classe do setor afirmaram que irão combater a medida, podemos considerar que a probabilidade de aprovação da MP como se encontra é reduzida.

Ademais, há pressão parlamentar para que o Presidente do Senado devolva a MP por falta de requisitos constitucionais de relevância e urgência, dado que as suas matérias foram debatidas no Congresso Nacional durante o ano de 2023.

Portanto, o momento é de provisionar para o pior cenário, calcular as hipóteses, e apoiar suas entidades representativas e parlamentares a combater a MP 1202/23, aguardando os próximos passos, assim como analisar medidas individuais.

c) As alegações de ilegalidade e inconstitucionalidade contra MP 1202/23

Em paralelo, a revogação antecipada do PERSE pode ser considerada ilegal e inconstitucional.

A regra constitucional da anterioridade protege o contribuinte da criação ou aumento de tributo sem um período mínimo. Porém, não se trata de mera alteração de alíquota, mas da extinção de um benefício fiscal de tempo determinado e condicionado.

O art. 178 do Código Tributário Nacional determina que nesta hipótese o benefício é irrevogável.

O Perse sempre teve o prazo determinado de 60 (sessenta) meses, desde a primeira redação da Lei 14.148/21. E podemos reputá-lo condicionado, pois não é uma redução de alíquota para todos os contribuintes, dado que a pessoa jurídica deve exercer em 18/03/2022 (sob os efeitos da pandemia) atividade do setor de eventos, em alguns casos com inscrição no Cadastur. Caso fosse mera redução da alíquota do tributo para aquela atividade a sua aplicação não poderia ser condicionada, empresas novas e antigas, com ou sem cadastro estariam igualmente sujeitas.

Discussão similar está em andamento com as atividades que foram excluídas pela Portaria ME 11.266/22, havendo decisões favoráveis ao contribuinte em alguns estados.

Esta regra não pode ser alterada ou desrespeitada por lei ordinária ou medida provisória, pelo caráter de lei complementar com que o CTN foi recebido pela Constituição, e por afronta ao princípio da segurança jurídica tributária.

d) Conclusão

Vê-se que o Perse se mostrou essencial para a retomada do setor de eventos e turismo, impulsionando a criação de empregos acima do nível pré-pandemia, com ótimos efeitos econômicos e sociais, que foram desconsiderados pelo Ministério da Fazenda, o qual analisou apenas a despesa tributária e, provavelmente, o fez de modo superdimensionado.

Além do que, esta revogação poderá ser questionada à luz da segurança jurídica e do Código Tributário Nacional Politicamente, a MP enfrentará resistência nas entidades representativas do setor e de grupos suprapartidários do Congresso Nacional, cujo prazo para apreciar a Medida é próximo dos seus primeiros efeitos.

Portanto, é momento do setor reforçar a sua união e combater a medida, sempre preparando-se empresarialmente para os diversos cenários.


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