Karina Cedeño   |   26/07/2018 16:00

Turismo em excesso - parte 4: o papel das agências e operadoras

A parte final do especial de overtourism traz a visão de quem vende viagens

Como estimular a venda de pacotes de viagens sem resultar no excesso de turistas nos destinos? É possível balancear esta equação sem ocasionar prejuízos para o trade e para as cidades visitadas?

A CVC, sem dúvidas, abriu as portas para o brasileiro viajar. Desde sua fundação, há mais de quatro décadas, a operadora transportou milhões de turistas pelas estradas, passou a expandir sua operação aos céus e, com isso, tornou populares destinos como Porto Seguro (BA) e Jericoacoara (CE), os quais, pode-se dizer, contaram com "uma mão" da empresa para se tornarem acessíveis.

“O consumidor é quem define a região turística que deseja visitar, de acordo com suas preferências de viagens e tamanho do sonho e do bolso. As operadoras de viagens são intermediadoras na prestação de serviços turísticos e, como qualquer empresa, devem atuar respeitando as legislações vigentes em seu segmento”, comenta o presidente da CVC, Luiz Eduardo Falco

Emerson Souza
Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC
Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC
Ele ressalta que no Brasil não existem casos de “overturismo” (no melhor jeito CVC de "abrasileirar" as informações), mas que há no País bons exemplos de destinos turísticos que são regiões de proteção ambiental e se preservam, colocando regras e limitações de visitações, como são os casos de Bonito (MS) e Fernando de Noronha (PE), e que são seguidas pelas operadoras e empresas de receptivo.

“A limitação da visitação em destinos protegidos não é vista como empecilho, considerando que o Brasil tem uma infinidade de destinos turísticos que agradam a diferentes perfis de viajantes – sejam as grandes cidades, as praias mais desertas ou as localidades de montanhas – e que a atividade do Turismo, mesmo em regiões limitadas, gera renda e riqueza à sua população local, proporcionalmente”, destaca o presidente da CVC.

LEIA AS TRÊS EDIÇÕES ABAIXO
TURISMO EM EXCESSO - PARTE 1 - DEUS ME LIVRE OU QUEM ME DERA
TURISMO EM EXCESSO - PARTE 2 - CIDADES PODEM PERDER STATUS DE PATRIMÔNIO
TURISMO EM EXCESSO - PARTE 3 - ALÉM DOS GRANDES DESTINOS

Ele também acredita que as prefeituras devem olhar suas regiões turísticas e/ou protegidas, estudando eventuais regras de visitação e respeitando a infraestrutura existente.

Já para presidente da Flytour MMT, Michael Barkoczy, é essencial que a indústria de Turismo seja mais unida para evitar o overtourism nos destinos. “Há uma desunião crônica em nosso País e poderíamos ter, por exemplo, uma organização que fizesse a gestão integrada dos destinos, sendo responsável por balancear a equação do fluxo de passageiros para eles”, comenta Barkoczy.

A união entre players também é uma sugestão dada pela CEO da Braztoa, Monica Samia. “Esse tema é bastante complexo e necessita do entendimento e engajamento de todos os envolvidos: governantes, empresários e consumidores. As operadoras e agências podem atuar estrategicamente com os representantes institucionais e respectivos fornecedores, com base na capacidade de suporte de cada um dos envolvidos. Com mais informações, podem direcionar sua demanda para os diferentes destinos que oferecem, respeitando tais limites e sensibilizando o próprio turista quanto à sua responsabilidade nesse processo”, comenta Monica.


“Outra ideia é treinar sempre os agentes, atualizando-os sobre o destino e capacitando-os a entregar ao passageiro as dicas que ele necessita - sendo uma delas referente à “lotação” do destino -, indicando as melhores temporadas para ir”, complementa Barkoczy, afirmando que a Flytour MMT investe muito nesse tipo de capacitação.

Marluce Balbino
Michael Barkoczy, presidente da Flytour MMT, acumulou duas operadoras que, juntas, uniram as viagens acessíveis e forfait
Michael Barkoczy, presidente da Flytour MMT, acumulou duas operadoras que, juntas, uniram as viagens acessíveis e forfait
Com a troca de experiências que a internet possibilita, os turistas conseguem se manter informados sobre o overtourism, o que pode resultar na mudança de roteiro ou destino escolhido.

“Mas isso não é regra. Os lugares dos sonhos dos brasileiros são, geralmente, os mais cheios, e nosso propósito como operadora é tornar real esse desejo de viajar, seja o destino ‘lotado’ ou não”, completa o presidente da Flytour MMT.

A mudança de escolha para destinos menos visitados pode ocorrer, principalmente, por parte das novas gerações, que desde cedo começam a entender e sentir na pele a importância da sustentabilidade para o futuro da humanidade e do planeta.

“Operadoras e agências de viagens podem se preparar para isso se antecipando às situações. Não seguir no ‘automático’, mas adotar processos que fortaleçam sua conduta comprometida com a sustentabilidade. Requerer dos parceiros de negócios detalhes sobre sua atuação, os limites saudáveis de passageiros e os mecanismos de controle de impacto que são adotados podem contribuir sobremaneira para um planejamento mais eficaz das viagens que serão ofertadas. Priorizar a comercialização de parceiros que se destaquem pela atuação responsável promoverá, aos poucos, uma seleção natural”, comenta Monica.

Tanto ela quanto Barkoczy citam as estratégias de Noronha e Bonito como exemplos de boa administração de fluxo de turistas no Brasil. Outros casos citados por Monica são vencedores do Prêmio Braztoa de Sustentabilidade, que este ano tem inscrições abertas até 31 de agosto.

“A criação e o fortalecimento de iniciativas de toda ordem [premiações, incentivos fiscais, financeiros etc] que estimulem a adoção de ações responsáveis por parte dos empresários do setor podem contribuir para um célere engajamento”, comenta a CEO da Braztoa.

Emerson Souza
Monica Samia, da Braztoa, acredita que o viajante mais novo está consciente dos problemas que cercam esse fenômeno
Monica Samia, da Braztoa, acredita que o viajante mais novo está consciente dos problemas que cercam esse fenômeno
Para ela, o benchmarking e o compartilhamento de boas práticas mundiais são benéficos para a sensibilização dos representantes institucionais, empresários e consumidores, sobretudo as ações que apontam para os resultados econômicos que podem ser alcançados com uma conduta mais sustentável.

“A sensibilização da importância e dos resultados do Turismo para a estratégia de desenvolvimento econômico do Brasil, atrelada a uma campanha que estimule o respeito e a valorização da diversidade e dos recursos do nosso País são de extrema relevância para esse processo”, conclui Monica.

O PAPEL DO TURISTA
A responsabilidade pelo overtourism não pode ser deixada apenas nas mãos dos destinos, autoridades, armadoras de cruzeiros e do trade em geral. Cabe também ao turista viajar de forma mais consciente, se possível optando por visitar os destinos fora da alta temporada ou ir aos pontos turísticos no início ou final do dia, quando eles são menos cheios.

Outra dica é conhecer as regiões vizinhas ao destino visitado ou distribuir o roteiro por pontos turísticos menos conhecidos – e nem por isso menos interessantes.

Além disso, é importante causar o mínimo de impacto possível no ambiente visitado, e isso não diz respeito apenas à infraestrutura local, como também ao fato de evitar fazer barulho em horários em que os moradores estejam dormindo, por exemplo.

Quando todas as partes envolvidas no Turismo se mobilizarem para resolverem o problema, o crescimento exponencial de turistas será, consequentemente, acompanhado por medidas que o comportem. Ou seja, a solução está entre o quem me dera (ter que administrar muitos turistas interessados em meu destino) e o Deus me livre (que virá com medidas de planejamento e proteção, aumentando a satisfação de visitantes e moradores).

Por fim, vale lembrar a máxima de que se a cidade não for boa para o morador, não o será para o visitante.

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