Da Redação   |   08/09/2023 14:10
Atualizada em 08/09/2023 14:43

"Sem vitimismo": veja entrevista inédita com Eduardo Sanovicz

Turismólogo e mestrando em Turismo Juarez Velozo entrevista este ícone do setor 6 meses antes de sua morte


Renato Vaz/Embratur
Eduardo Sanovicz
Eduardo Sanovicz

Caso fosse necessário um termo para descrever a aviação comercial no Brasil, o tesauro de Turismo certamente apresentaria nome e sobrenome: Eduardo Sanovicz. E não é por menos: o profissional esteve à frente do SP Convention & Visit Bureau, Anhembi, uma diretoria de Turismo, Embratur, Abear, dentre outros.

Para muito além de sua invejável trajetória profissional, nesta entrevista exclusiva, o líder recebeu Juarez Velozo em 17 de março de 2023, na sede da Associação Brasileira das Empresas Aérea – Abear e respondeu a questões ligadas à sua vida pessoal, seus estudos, o trade turístico, as relações de poder e assuntos pulsantes do momento, como redução de impostos e passagens aéreas a promocionais.

Juarez Velozo é turismólogo (UNIBERO), especialista em gente (SENAC) e mestrando em turismo pela EACH-USP, onde Edu Sanovicz deu aulas. Atuou em agenciamento de viagens, companhias aéreas, hotelaria e atualmente realiza consultorias e palestras.

Arquivo/Juarez Velozo
Juarez Velozo com Eduardo Sanovicz, no dia da entrevista, em março de 2023
Juarez Velozo com Eduardo Sanovicz, no dia da entrevista, em março de 2023

"A entrevista aconteceu em março, quando se conectaram especialmente pela proposta ser a de falar sem vitimismo: exatamente o que Edu valorizava", afirma Juarez Velozo.

De fala articulada, com pensamentos rápidos, senso de humor afiado e com seus marcantes - e sempre atentos - olhos azuis, o gestor respondeu a todas as perguntas, sem restrições prévias, por quase duas horas. Revisitou momentos emblemáticos como a criação da Marca Brasil e do Plano Aquarela, e foi convidado a pensar a respeito dos aprendizados ao longo de sua vida, sua obra e planejamentos para o futuro.

Divulgação
Eduardo Sanovicz
Eduardo Sanovicz

Do alto de seus 63 anos de idade, o bem-sucedido professor mostrava-se imparável: nem mesmo a luta contra o câncer o distanciou de momentos com aqueles de que gosta. Confessou que decidiu, meses antes da entrevista, manter sua rotina com amigos da universidade, dos lugares onde trabalhou, e com a família, passando a não se engessar em detrimento da atribulada agenda de compromissos corporativos.

Flores em vida: o filho da dona Diva e do Abrahão transbordava vitalidade, energia que era a mesma do menino paulistano criado em Santos (SP).

Na mesma Santos, Eduardo Sanovicz morreu em 2 de setembro de 2023, rodeado de sua família, e recebeu diversas homenagens póstumas.

Confira a entrevista inédita com Eduardo Sanovicz, em março de 2023

Juarez Velozo – A primeira coisa que gostaria de entender: o senhor seria um historiador no Turismo, ou o Turismólogo nato na história?
Eduardo Sanovicz – [risos] Esta pergunta me fazem com alguma frequência... As coisas se misturaram quando eu era muito jovem. Eu decidi estudar história e ao mesmo tempo eu trabalhava já em organização de eventos, isto começou na universidade. Eu tenho 63 anos, eu fiz a universidade no tempo da ditadura militar e era muito importante para nós, os grupos de jovens que nos engajamos no combate à ditadura e na luta pelo retorno da democracia, encontrar formas de expressão para que colocássemos o que pensávamos sobre o Brasil naquele momento, final dos anos 1970, início dos anos 1980.

E as manifestações culturais tinham um peso enorme nisso, organizar shows, organizar exposições de arte, organizar seminários, organizar saraus de poesia, então para você ter uma ideia, com 19 e 20 anos eu estava organizando shows do Alceu Valença, [...] show do Gonzaguinha, organizávamos exposições de obras de estudantes. Isto tudo acabou me levando a ficar perto desse tema de alguma forma. Na outra mão eu estudava história, me envolvi no movimento estudantil, me envolvi no centro acadêmico, depois fui presidente do DCE da universidade e me mantive próximo desta atividade ‘eventos’. Já formado eu fui trabalhar na COSIPA, Companhia Siderúrgica Paulista, e entrei na área de meio ambiente, logo depois mudei para a área de RH que me atraía mais e imagine um seminário de treinamento com chefes de turno era um seminário para quase 1,2 mil pessoas, então eventos estava no meu DNA.

Naquele mesmo momento o meu irmão montou uma agência de viagens com dois sócios e eu nunca fui trabalhar nessa agência, mas fiquei muito próximo do processo de construção porque eu tinha alguma experiência em RH e acompanhava o processo. Em 1988, comigo morando em Santos, ganha a eleição a primeira prefeita da cidade, Telma de Souza. Ela é eleita pelo PT e monta uma equipe com jovens [...], então eu vou para o governo da Telma, primeiro na área de RH, mas acontece um negócio muito emblemático: em 1992 a Telma conduz um programa que recupera a balneabilidade das praias, isto faz com que as praias voltassem a ser frequentáveis, você poderia nadar no mar sem aparecer uma coisa horrorosa do seu lado, pela primeira vez, desde o final dos anos 1960.

Isso porque com o regime militar, desde 1968, Santos deixa de eleger prefeito, os militares que viraram prefeitos abandonaram o sistema de canais de Saturnino de Brito, que é o que explica a cidade, explica a arquitetura e o urbanismo, explica o saneamento da cidade. A Telma retoma isso. Tem uma capa da Vejinha, do natal de 1992, com uma foto da Telma na frente de um canal, a praia no fundo, e a manchete ‘Praia Limpa’. Foi bem legal. E aí Turismo volta a ser uma possibilidade econômica da cidade, é uma cidade, que vivia sustentada na atividade portuária (carga, logística), no polo industrial de Cubatão (as pessoas moravam em Santos e trabalhavam em Cubatão) e o Turismo era o terceiro pilar econômico histórico da cidade, que, desde o início do século 20, estava suspenso enquanto possibilidade.

Naquele momento [...] ainda não tinha como ‘empacotá-lo’, não tinha como trabalhar no sistema de distribuição das agências ou das operadoras, porque seu principal atrativo eram as praias que estavam impraticáveis. Quando elas voltam a ser limpas foi uma revolução e a prefeita precisava achar alguém que conhecesse minimamente aquela estrutura, para tocar o tema Turismo. Então fui convidado a assumir a diretoria de Turismo (tendo uma história ligada a eventos desde 1980), desafio aceito e isso foi uma aventura muito bonita.

Foi um aprendizado, porque se tratava de reapresentar o destino ‘Santos’ ao País. No primeiro momento para o ABC, depois a São Paulo e região metropolitana, depois ao interior do Estado, depois aos Estados vizinhos e, num último momento, a gente até começou a fazer algumas ações no Exterior: Argentina, Chile, Uruguai e foi muito bonito porque começamos a ter 2, 3, 4% de turistas estrangeiros. Era pouco, mas era bonito você ver esse pessoal voltando. Consequências: a hotelaria de bandeira volta a se instalar na cidade,[...] o último hotel de bandeira tinha abandonado a cidade em 1973-1974 em 1996-1997 volta a ter hotéis do grupo Accor, depois vêm outros e hoje estão todos lá.

Então, o Turismo, como atividade [profissional], eu assumo em 1993 até 1995 [como diretor de Turismo da cidade de Santos], nesse meio tempo me aparece uma oportunidade que muda a minha vida: a Embratur é convidada a ir a um congresso da OMT em Sevilha, e ela precisava indicar alguém de uma cidade, por que era quando estava começando aquela discussão sobre o papel dos municípios no Turismo, que depois, aqui no Brasil, vira o programa de municipalização do Turismo e a Embratur resolve me convidar. ‘Você quer ir? Santos tem um case bonito a apresentar, emblemático’, eu falei ‘vou’, mal tinha ideia do que ia conhecer. Eu chego lá, entre as várias coisas que eu fiz, assisto a uma palestra de um diretor de uma organização chamada Turismo de Barcelona [...] eu fiquei encantado porque no processo da Olimpíada eles tinham fechado a secretaria de Turismo e o departamento de Turismo da Câmara de Indústria, Comércio e Navegação, que era uma representação empresarial do turismo na Catalunha. Tinham reunido essas duas unidades em uma organização parceira e essa organização conduzia todas as ações de promoção e marketing do Turismo de Barcelona, debaixo dela estava o Barcelona Convention Bureau. Eu fiquei extasiado com aquilo [...]!

Minha vida foi muito ligada à universidade, meu pai era professor da USP, passei a vida dentro da universidade desde que nasci. Já tinha me formado e queria fazer mestrado. Eu vi Barcelona para além do Turismo, então acabo conseguindo uma bolsa da CAPES e vou a Barcelona no início de 1996, passo alguns meses lá trabalhando no Turismo de Barcelona, depois de um contato eles e me permitem isto[...], eu fui entender cada um dos programas de trabalho daquele órgão. Volto ao Brasil, e o programa de trabalho que mais me chamou a atenção foi o do Barcelona Convention Bureau [...], eu não sabia: era uma organização de captação de eventos e promoção de destino. Na Europa são organizações majoritariamente públicas, nos Estados Unidos também. Aqui no Brasil - isso eu soube depois -, são organizações privadas mantidas pela hotelaria. Quando eu volto para o Brasil acaba o governo Davi Capristano em Santos em 1996, a Telma deixou de ser prefeita em 1992 [...] eu falei ‘bom, acabou. O que eu vou fazer agora?’ e o São Paulo Convention & Visit Bureau (SPCVB) abre um processo seletivo e me candidato, acabo aprovado e viro diretor, volto para São Paulo. Nasci aqui, minha família é de Santos: meu pai, minha mãe, minhas filhas mais velhas. Passei a vida na Serra do Mar.

Em São Paulo [...] eu aprendo de 1997 a 2000 o que era o mundo privado em promoção e marketing turístico, como lidar com a promoção a partir de um olhar da hotelaria, das operadoras, dos centros de convenções, dos organizadores de feiras, das companhias aéreas, que eram os membros associados do SPCVB para os quais a entidade trabalhava.

Fico no SPCVB de 1997 a 2000, quando Marta Suplicy ganha a eleição para prefeita e sou convidado a assumir a presidência do Anhembi, que era a Secretaria de Turismo da cidade. No Anhembi é onde eu acabo tendo uma espécie de projeção um pouco maior, por ter assumido depois de um vendaval que foi o Maluf. O Anhembi tinha 1.072 empregados e demiti quase 900, porque era um absurdo. O Anhembi poderia funcionar com pouco mais de 300 pessoas, não precisava daquilo tudo.

Então a gente refaz o Anhembi e ele começou a ter recurso, reforma, ampliação, enfim fez uma série de coisas, disputa mais feiras e nesse meio tempo eu também tinha feito contato com a ICCA que eu tinha conhecido em Barcelona. No SPCVB a gente se associou com a ICCA e eu passei a ter acesso a esse mundo internacional do setor de eventos, [...] com o Anhembi em ordem, ele vira uma vitrine e em 2002 o Lula ganha uma eleição para presidente e me convida para presidir a Embratur, [...] onde fico de 2003 a 2006, acumulando a direção da Embratur com o ICCA. Mas era um espaço de projeção internacional e de inserção do Brasil nesse segmento de eventos.

Sempre acreditei no mercado de Turismo em que, se você cria situações de ampliação de demanda, cria mais eventos, mais voos, se coloca mais gente na frente do provedor de serviços (o cara que tem o produto), a oferta se ajusta. Tenho vários casos em que isto se colocou, então na Embratur nós conduzimos uma transformação importante, porque em 2002 o Lula tinha assumido o compromisso de criar o Ministério do Turismo[...] cria-se o Ministério e a Embratur que até então tinha uma série de procedimentos ligados à burocracia e Turismo (registrar hotel, colocar cadastro em ônibus... você acha que a Embratur em Brasília cuidava de cadastro de ônibus em Roraima? Era fake!), nós tiramos tudo isto da Embratur e ela passa a ser única e exclusivamente responsável pelas ações de promoção, marketing e apoio à comercialização de produtos, serviços e destinos turísticos brasileiros no Exterior.

Criamos as duas diretorias, uma ligada a promoção de lazer e incentivo e outra a congressos e eventos e fomos para a ‘guerra’. Aí foi muito bonito o Brasil era o 21º país no ranking ICCA e quando acabamos era o sétimo; tínhamos 50 e poucos eventos internacionais por ano e chegamos a 300 e tantos eventos internacionais por ano, e isso era uma transformação importante. A hora que você tem um evento internacional com 180 pessoas em Campinas, em Brasília, em Goiânia... São Paulo já tinha[mais exclusividade], mas eram cinco, seis cidades brasileiras, nós fomos para quase 40 cidades. Isto requalifica toda oferta, gera espaço para os estudantes Turismo, para os profissionais, para o pessoal que se coloca nos vários segmentos e demanda deles um outro grau de atenção e alerta, de uma qualidade de formação maior.

Então você começa a qualificar. Passo quatro anos na Embratur e em 2006 eu achei que havia cumprido o dever ali. Eu não tinha nenhum tipo de pretensão de me eternizar numa estrutura federal. Uma coisa que eu queria fazer e acho que fiz bem feito, porque quando assumimos, o Brasil recebia U$ 1,8 bilhão do Turismo estrangeiro e nós entregamos o Brasil com mais de U$5,5 bilhões; eu assumi, em 2002, quando o Brasil tinha 3,7 milhões de turistas e nós entregamos com mais de 5,5 milhões, quase 6 milhões e esses números até hoje não mudaram muito [...] nem na Copa do Mundo.

Em 2006 vou para a Reed Exhibitions, volto para o setor privado, volto para São Paulo no setor de feiras, eu já tinha tido contato no Anhembi, a gênese da minha atuação, eu entro no Turismo pela porta dos eventos. Eu nunca trabalhei numa agência, nunca trabalhei num hotel, nunca trabalhei nesse lado do lazer, por exemplo. Tenho colegas da melhor qualidade que têm essa história do lazer, eu só fui entender melhor o lazer quando eu entrei na EACH. Fazemos a compra da Alcântara Machado e criamos a maior empresa de feiras da América Latina: Salão do Automóvel, FEICON, Bienal do Livro [...] umas feiras de 200 mil pessoas. E fico na Reed até 2011 quando sou convidado para vir desenhar a Abear, onde estamos agora e vou completar 11 anos.

Eu fiz este cenário inteiro para você entender o seguinte: eu jamais deixei de ser um historiador, eu jamais deixei de ser alguém que olha para a história, principalmente olhando para os embates socioeconômicos, os embates socioculturais, o processo de desenvolvimento que as relações na sociedade vão vivendo ao longo dos anos e compreendo o Turismo como uma das manifestações da sociedade.

Para mim, Turismo não é você pegar essa malinha e ir para Santos, é muito mais do que isso. Turismo é uma oportunidade de você mergulhar na história dos destinos. O Brasil, por exemplo, tem dois pilares turísticos: natureza e cultura. A diversidade cultural que nós temos e a singularidade, a qualidade e a diversidade da nossa produção cultural. Se você for do Rio Grande do Sul ao Pará você encontra gastronomia, música, sotaque, arquitetura e moda diferentes e tudo isso está dentro do Brasil. Por vezes estava em um avião em Dubai e no avião estava tocando música brasileira: o melhor produto de exportação desse país, do ponto de vista cultural, é a música. Para mim, ter estudado história foi absolutamente vital para compreender melhor, no meu ponto de vista, como construir programas de trabalho em turismo nos vários segmentos em que atuei.

Velozo - Neste ano você completa oficialmente 30 anos no Turismo, e por trás de tudo isto, o que o currículo não diz sobre o Sanovicz?
Sanovicz – O que meu currículo não fala? Que pergunta interessante! Meu currículo talvez não fale, no sentido de sua primeira pergunta, sobre como eu concebo o mundo, como eu aprendi a lê-lo e como isto influenciou nas minhas decisões. Muito jovem passei a dirigir organizações, [...] então neste papel de liderança você tem que implementar suas concepções pessoais e filosóficas. O que eu sou hoje do ponto de vista filosófico, ideológico e intelectual, é o resultado das minhas leituras e da minha vida, no início da minha fase adulta e fim da adolescência.

Sou um cara profundamente antiautoritário, apoiador de construir um mundo solidário, defendo a pluralidade e a diversidade em todas as nossas atividades. Na Abear temos cinco principais executivos: duas são mulheres, uma delas é negra. Isso a gente pratica aqui. Isto eu faço desde lá atrás. Na Embratur, um dia me perguntaram se eu era gay, falei que 'não, por que?’ e responderam ‘porque estou impressionado como tem gays aqui na Embratur’ e eu falei ‘claro, porque se a gente não trouxer para dentro da Embratur toda a diversidade intelectual, toda a diversidade de posicionamento, que Brasil eu estou mostrando?’.

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Eduardo Sanovicz e Jurema Monteiro, da Abear
Eduardo Sanovicz e Jurema Monteiro, da Abear

Eu quero mostrar o Brasil como ele é, isso me coloca do ponto de vista filosófico, no campo político de esquerda, eu sou um cara de esquerda, fui militante do extinto Partido Comunista Brasileiro lá no final dos anos 1970. É claro que, dizendo isso hoje, o jovem não entende muito o que é isso, mas você tem que se colocar lá em 1976, 1977 debaixo da ditadura militar, vendo as botas dos generais no pescoço da universidade, dos sindicatos, da sociedade de bairro, dos grupos de teatro e música... Se você tinha o mínimo de decência intelectual você tinha que se colocar contra isso. E haviam formas, claro, eu acabei me ligando a uma organização que naquele momento eu entendi que era mais eficaz. No currículo não está explícito que todas as minhas atitudes, desde a diretoria de Turismo de Santos até a Abear são muito matizadas pela forma como eu vejo o mundo.

Eu não acredito neutralidade na sala de aula, essas bobagens: ‘você tem que ser isento’, isento é o omisso, num país como o nosso onde 1/3 passa fome e metade mal consegue pagar as contas, você não pode ser indiferente e neutro, você tem que se posicionar. Isto sempre marcou os meus atos e minhas atitudes.

Velozo – E como líder de uma organização, que tem seu posicionamento, como você gerencia estas múltiplas formas de pensar dos diversos atores com os quais se relaciona?
Sanovicz - Pensar diferente e ter uma posição é completamente diferente de você não conviver. Um dos pilares que nós temos que ter, até para ter rigor acadêmico e rigor científico é criar espaço para a convivência dos diversos. Estou na USP há quase 15 anos, lugar que é meu oásis. Eu adoro a EACH-USP, eu adoro dar aula. E fico muito feliz quando chego lá, encontro os amigos, sento com o Edegar, os outros professores: Trigo, Panosso, Uvinha, Edmur, Mariana... acho isto muito gostoso e uma das coisas que eu mais gosto é que nós pensamos diferente. Tem professores lá que pensam do jeito A, B, C, D. Eu coloco 40, 50 alunos e alunas na minha frente e tem 32 opiniões diferentes sobre a mesma coisa e isso é a universidade.

Você tem que ser coerente, você tem que fazer istonesses espaços. Então, por exemplo, uma coisa muito interessante aqui à frente da Abear, que representa empresas aéreas (Gol, Latam, Gol Log, Tam Cargo, [...]),como fui eu quem desenhou o estatuto, na Abear não se vota, não tem 5 a 1, 6 a 2, na Abear só se toma decisões por consenso. Eu coloquei isso, sabe por quê? Isto é Gramsci, que [...] criou o chamado eurocomunismo, e que dizia que democracia é um valor estratégico, você não pode nunca abrir mão dele e a radicalização da democracia por meio do debate, cria espaços democráticos, levando a construção de imposições de consenso na sociedade que acabam sendo mais representativos do que pensa o conjunto.


PANROTAS / Artur Luiz Andrade
Eduardo Sanovicz
Eduardo Sanovicz

Nessa mesa em que a gente está, nestes anos todos, centenas de vezes reuniram-se empresas aéreas que concorrem no mercado, com executivos super aguerridos e a gente construiu aqui posições de consenso para que a Abear defendesse os interesses junto à sociedade. Creio que trago novamente o aprendizado em história, o meu posicionamento filosófico, e [...] uma vontade muito grande de construir espaços de debate, radicalizar esse debate, e construir consenso. Para isso você precisa respeitar a opinião do cara que pensa diferente você, precisa incluí-lo, precisa dar a ele voz [...], então não adianta a gente somente fazer a defesa dessas coisas, essa para mim é a grande diferença entre quem faz o discurso e quem o leva à prática. O papel de alguém que se considera um militante é levar o discurso à prática. E eu, modéstia a parte, gosto do resultado.

Velozo - Muito se olha para o Sanovicz mestre, doutor, presidente, mas pouco se olha para o bastidor destas pessoas de sucesso. Gostaria de saber: nos momentos de adversidade, escrevendo sua tese e dissertação, no que se agarrava para seguir em seu propósito?
Sanovicz - Para mim escrever a tese de mestrado ou de doutorado não foi uma adversidade, confesso que eu fiz isso com muito prazer. Brinco que as minhas teses foram escritas em avião, principalmente a de doutorado, porque eu já era presidente da Embratur e eu ia para feira direto. Naquele tempo - graças a Deus -, não tinha Wi-Fi a bordo,então toda vez que eu entrava no avião eu abria o meulaptop e passava seis, sete horas escrevendo. Eu ia daqui para Chicago, Chicago-Berlim, Berlim-São Paulo, então em uma semana eu fazia 30 horas de voo e eu ia escrevendo. Era um momento de paz, pois quando estava em terra era impossível.

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Familiares de Eduardo Sanovicz fazem a festa com o homenageado
Familiares de Eduardo Sanovicz fazem a festa com o homenageado

Agora, como regra geral nos momentos de adversidade para mim eu tenho três questões em que me agarro muito: primeiro, obviamente a família. Sou casado e tenho três filhas e um filho. As pessoas brincam que gostam de fazer coleção, colecionar camiseta, futebol de botão, eu coleciono filhos, eu adoro. Então a família para mim é uma coisa bastante importante. Segundo, meus amigos: eu gosto muito de conviver socialmente e tenho diferentes grupos de amigos que nos reunimos sempre. Sexta-feira eu tenho um grupo de amigos do tempo da COSIPA, no sábado eu me encontro com os professores da EACH, no domingo com a minha turma de militância quando jovem em Santos. As conversas são diferentes, as pessoas são diferentes a agenda é diferente. O terceiro pilar são as equipes com as quais eu trabalho. Para mim minha principal característica nas empresas por onde passei, foi a montagem das equipes. Tem pessoas que começaram a trabalhar comigo lá em Santos que até hoje seguem comigo, passados 30 anos a gente está trabalhando junto.

São esses os três eixos aos quais eu recorro quando eu preciso. Agora por exemplo, todos vocês sabem, eu estou no meio de um tratamento de quimioterapia. Uma decisão que eu tomei nesses últimos meses foi não abrir mão das possibilidades de convivência com as pessoas: com os meus filhos, com os meus amigos, como meu time. Minha história é muito marcada por ‘vai ter uma festa aqui’, ‘não posso, tenho uma reunião’; ‘vamos assistir ao show tal’, ‘não posso tenho que ir não sei onde’. Natural da vida profissional, isto acontece, então nesses últimos meses eu não tenho feito isso, eu tenho procurado estar com as pessoas.

Velozo – Você falou sobre times. Quando olha o mercado e vai procurar um profissional, do que você tem sentido falta?
Sanovicz – Visão de mundo. Formação de história, sociologia, ciências sociais. Não para a formação acadêmica, mas eu creio que nós caminhamos muito rapidamente nos últimos 15, 20 anos para um mundo da hiper especialização. É como por exemplo ir ao médico oftalmologista, especialista em olho esquerdo, se você estiver lá para cuidar do olho direito ele te manda para outro médico, pois ele é especialista em esquerdo. Sabe esta hiper especialização? Isto se reflete em várias atividades na qual as pessoas focam na sua atividade porque houve uma espécie de vitória intelectual do liberalismo por muitos anos junto à universidade, junto ao mercado no qual ela tem que ser especialista.

Eu entendo que você é um profissional muito melhor, e não importa se você é advogado, médico, barista, bailarino, ator de teatro, seja lá que profissão você tenha, se você compreender o mundo à sua volta, compreender a história, compreender como nós chegamos onde chegamos, por que o Brasil é o que é, por que o mundo é o que é, você vai conseguir exercer a sua profissão no sentido de fazer dela um instrumento de melhoria do mundo. Então o que eu sinto falta hoje é desse debate, principalmente na universidade.

Velozo - Qual a importância da academia na criação de conhecimento para o trade turístico?
Sanovicz - É absolutamente vital, mas ela tem um desafio que é ‘se dar a conhecer’, é uma tradução feia de uma frase espanhola. A universidade tem uma produção de muita qualidade, na EACH [...] nós temos colegas da melhor qualidade, que produzem textos da melhor qualidade, cada um nas suas áreas. Uma parte desses textos chega ao conjunto do mercado, uma parte não chega.

Alguns professores nossos são referência nas suas áreas, outros são referências na universidade. Creio que nós temos um papel absolutamente relevante, entendo que a USP forma os melhores profissionais: nós temos os melhores cursos, melhores professores, com todo o respeito às outras escolas. Obviamente nós temos centenas de profissionais da melhor qualidade espalhados pelo País.

Eu conheço uma dúzia entre Norte e Sul do País, fantasticamente bons, mas o ambiente em São Paulo, o ambiente urbano, cultural, o fato de ser uma espécie de capital produtiva do País, o ambiente das relações de trabalho, fazem com que São Paulo seja mais nervosa e isto impacte a universidade. Agora, ainda é um desafio fazer com que a nossa produção, a nossa reflexão sobre o Turismo volte para os agentes do Turismo e os façam refletir e rever. Eu já vi vários textos muito importantes para a universidade produzidos por colegas(aliás não quero ‘fulanizar’ aqui) e que as pessoas no centro de convenção não conheciam. Logo, creio que é um debate interessante para nós na universidade como fazer para que a nossa produção ganhe visibilidade para fora da bolha da universidade, [...] para fora dos muros da universidade. Eu não tenho a resposta, talvez se eu sentasse com um grupo para debater alguns dias eu poderia dar alguma contribuição, mas hoje eu não tenho uma resposta.

Velozo – Você declarou à imprensa: “O Ministério do Turismo sempre estará vinculado às concepções políticas que assumem a direção do País”. Você acredita que a troca de ministros do Turismo, cause perdas ao setor, cause rupturas nas políticas públicas?
Sanovicz – Claro. O ministério foi criado [...] para ser responsável pela formulação de políticas públicas: lei geral do Turismo; para cuidar de capacitação, desenvolvimento e treinamento de pessoas; qualificação de destinos; ordenamento de uma série de políticas e para cuidar de obras de infraestrutura. Ele é muito jovem, não criou ainda uma burocracia estável, portanto mudanças permanentes acabam impactando negativamente a concepção destas políticas.

Velozo - Ministros técnicos, ou indicações políticas: qual caminho acredita ser o melhor?
Sanovicz - Lula foi eleito com cinquenta e tantos por cento dos votos, mas elege 25% da Câmara [dos Deputados], tem 140 votos do plenário, ele precisa de 258 ou 259 se não, não passa nada. Então, quem elege os deputados? O povo brasileiro. ‘Ah, eu gosto que o João seja deputado, eu não gosto que a Maria seja deputada’, problema seu, as pessoas se elegem. O Brasil real.

Uma das coisas que foi mais interessante para mim na Embratur foi que eu achava que eu conhecia o Brasil, pois eu havia estudado e lido muito, ‘Eu fiz história na USP, poxa eu li bastante, eu sei’, bobagem eu não sabia nada! Eu fui aprender o Brasil pegando um avião e descendo em Macapá, em Boa Vista, em Rio Branco, no interior do Ceará, indo para Goiânia, ai você começa a entender o Brasil. O nosso problema aqui é entender por que muita gente que escreve muito e fala muito, e acha que o Brasil vai do Palácio dos Bandeirantes ao Higienópolis e isto é o Brasil. Não, o Brasil vai do Rio Grande do Sul até lá em cima na fronteira com a Venezuela. Então o Brasil é muito diverso, produz de tudo, portanto, um Ministro de Estado sempre será uma indicação de um presidente ou de uma presidente, que ganhou uma eleição; e que precisa governar, precisa se compor no Congresso [Nacional].

É claro que quanto melhor qualificado este Ministro, melhor. Se ele tiver relações com o setor, se ele conhecer o setor, ótimo. Agora tem vezes em que isto não acontece e isto não quer dizer que o resultado seja melhor ou pior. O primeiro ministro do Turismo deste país foi o Walfrido Mares Guia, que é um cara que vinha da educação. Como ele era um educador, ele sabia como conduzir times, como conduzir sala, como montar organizações, foi o melhor ministro do Turismo que este país já viu, disparado. Não há possibilidade de comparação com nenhum outro, e quando chegou não conhecia Turismo [...], agora depois do ministro, vêm as equipes que vão tocar os programas, aí é fundamental gente que saiba do que está falando.

Então vamos pegar hoje, a composição da Embratur, quem é o presidente da Embratur? Marcelo Freixo: deputado federal do Rio de Janeiro. Conhece o Turismo pela convivência com o meio ambiente carioca, agora, olha a equipe que ele montou na Embratur. É a melhor equipe da última década, disparado! A diretora da área do Turismo é a Jaqueline Gil, 30 anos de Turismo, na universidade, mestrado, doutorado, ligada à UNB. Olhe os executivos que ele está levando: levou a Mari Aldrigui, nossa professora, levou a Mônica Samia que era da BRAZTOA, levou a Flávia Matos que estava no Airbnb, levou a Vaniza que veio do Convention Bureau de Porto Alegre, o Bruno Reis, secretário, formado em Turismo, foi secretário de Turismo no Rio Grande do Norte, então assim, eu acho que está discussão ‘o cara é técnico, o cara é político’ isto é uma bobagem. Esta gente que não... falta do que fazer! Falta de serviço intelectual. A discussão é: quais conceitos e concepções você leva? Que compromissos você tem? Que programas você vai implementar? Principalmente, como é que você monta a equipe?

Velozo - Afinal, alíquotas de ICMS sobre querosene de aviação pressionadas a cair. Isto de fato terá impacto para aquela pessoa lá na ponta, que tem sonho de fazer viagem e junta seu dinheiro para isto?
Sanovicz - Claro, vou te dar um exemplo. Primeiro eu preciso explicar para nosso leitor, por que a gente bate tanto no ICMS – não porque eu não goste de ICMS -, por que o Brasil é o único país do planeta que cobra tributo regional sobre querosene de aviação. Regional, ou seja, nos Estados. Qualquer outro país no mundo tem tributos nacionais, Brasil também tem, e alguns países têm pequeninos, muito pequenos: 0,5 ou 0,3 tributo municipal. Em nenhum país do planeta se cobra tributo regional sobre querosene de aviação.

Qual é a consequência disso? Para nosso leitor entender como a aviação é regulada internacionalmente (imagine antes do acordo que fizemos com o Doria). O ICMS de São Paulo era o mais alto do Brasil, portanto o mais alto do mundo, 25%. Então dois aviões da mesma Latam encostavam no Aeroporto de Guarulhos, abastecidos na mesma bomba, pelo mesmo sujeito. O avião que decola para Fortaleza pagava 25% de ICMS no querosene, que é 40% de nosso custo. O avião que decola para Buenos Aires paga zero. Por que? Por que quando chega em Buenos Aires não existe ICMS e pela regulamentação da aviação você não pode cobrar um imposto no ponto B que você não cobrou no ponta A, entendeu? Então o avião que decola para Miami, para Frankfurt, para Roma não paga ICMS, ou seja, nenhum voo internacional paga ICMS sobre querosene, os voos domésticos pagam desde a Constituição de 1988.

No Brasil o querosene é aproximadamente 40% do preço do bilhete que você gasta, nos Estados Unidos é aproximadamente 22%, na Europa aproximadamente 24%. Onde está esta diferença? Primeiro, na política de precificação da Petrobras, a famosa ‘política de paridade internacional’, uma imbecilidade, pois ela fazia sentido quando 90% do querosene era comprado no Exterior, isto anos 1980, 1990. Hoje, 92% do querosene de aviação consumido no Brasil é produzido aqui. O querosene de aviação consumido no Aeroporto de Guarulhos é produzido na refinaria do Vale do Paraíba, em Caçapava, sabe como ele vem para Guarulhos? De queroduto. Ele desce por um duto, um cano enorme, vem e sobe em Guarulhos. E eu pago adicional de frota de renovação da Marinha Mercante, como se ele viajasse 15 mil quilômetros do Golfo do México. É por isto que a paridade internacional é uma parte da crise e a segunda é a existência do ICMS.

Qual é o resultado de reduzir ICMS? Aqui em São Paulo, em 2019, nós fizemos um acordo. João Doria era governador e reduzimos o ICMS de 25% para 12%. Nossa contrapartida era colocar 490 novos voos semanais em São Paulo, nós colocamos 704 novos voos semanais em São Paulo. Além de criar o programa de stopover, você compra o bilhete em Recife, desce em São Paulo, fica quantos dias quiser, e não paga mais nada para embarcar para Porto Alegre na sequência. E o programa de promoção e marketing, com repasses de recursos ao SPCVB, e também nos comprometemos a colocar alguns voos no interior do estado: alguns já foram colocados, outros ainda não por que o aeroporto não está pronto, Guarujá, por exemplo. Aonde o consumidor se beneficia nisto? Isto que aconteceu em São Paulo aconteceu em praticamente todos os estados, então por exemplo, você deve ter ouvido falar que hoje temos voos diretos de Maceió para Buenos Aires, de Teresina para Buenos Aires, pela GOL. Por que este voo existe? Porque a gente baixa o ICMS no Estado e em contrapartida oferece voo internacional, por que o ICMS diminui o preço dos voos nacionais, esta margem te permite colocar um outro voo. Em Belém a redução do ICMS permitiu colocar um voo para Miami, em Recife uma serie de voos para o interior e a gente trouxe um voo da KLM de Amsterdã, um voo da Air France de Paris. Recife tinha 6 ou 7 conexões internacionais, hoje tem 21. Tudo isto é contrapartida de redução de ICMS. Mais voos, mais conectividade, você tem uma oferta melhor.

Velozo - Um assunto latente tem sido o anuncio do ministro Marcio França em relação às viagens em períodos com baixa procura. Voar a R$ 200 é uma utopia ou a Abear está enxergando isto como uma possibilidade?
Sanovicz – Eu acho que é possível, talvez não seja exatamente nos critérios que o ministro propôs – ele fez uma proposta -, nós vamos discutir e chegar num programa factível que fique em pé e que tenha sucesso. Vai demorar um pouquinho mas a gente chega lá.

Velozo - Brasil com Z ou S? Como foi o surgimento da Marca Brasil?
Sanovicz - Com ‘S’! Se você olhar uma entrevista minha que ficou famosa de 2003-2004 eu dizia o seguinte ‘o idioma é parte da identidade cultural de um povo’. É claro que eu posso fazer um texto para promover o Brasil em inglês para quem fala inglês, em italiano para quem fala italiano, mas a marca do país tem que refletir sua identidade cultural. Então a marca do Brasil é com ‘S’, por que a gente fala português. A gente fazia isto: se você olhar os materiais antigos a gente tinha o Brasil com ‘S’, na marca Brasil no Plano Aquarela, e embaixo ‘Sensacional’ podia ser Sensation, Sensacionale, podia ser em alemão, em japonês, em árabe, não tem problema. Mas a marca, a frase, é nossa identidade cultural. Novamente, eu volto à sua primeira questão: afirmar nossa identidade cultural é afirmar um conjunto imenso e valores que a gente tem.

Por que nós temos cinco cores na marca? Por que são as cores que em pesquisa com 18 mil pessoas, feitas em 12 países, as pessoas diziam que eram as cores do Brasil, não fui eu que inventei. Por que aquelas formas? As pessoas diziam o seguinte: ‘Para mim o Brasil o azul representa o mar, o verde representa as florestas, o amarelo representa o sol, o branco representa a religiosidade’, ai era muito associado ao traje das baianas, e ‘o vermelho representam as festas populares’. Por que a marca é curva? Por que as pessoas diziam que o Brasil é um país sinuoso, é um país de formas, não é como a Alemanha, a Europa onde tudo é reto. E por que as cores se misturam na marca? Por que as pessoas diziam assim (e tem depoimentos incríveis): ‘quando eu estou em Londres eu ando 5 quadras no bairro chinês, cinco no bairro iraniano, cinco no bairro italiano. Eu andei em São Paulo e na mesma quadra eu andei 15 bairros’, entendeu? O Brasil é muito isto e novamente, aquela marca foi feita para promover o Brasil no exterior e cumpriu este papel brilhantemente por quase 15 anos. E a ideia era refletir aquilo que os estrangeiros veem do Brasil, e os brasileiros também foram consultados, nós fizemos 117 reuniões no país.

Velozo – Como se deu a criação do Plano Aquarela?
Sanovicz – Eu fiz um bocado de coisas no Turismo: o plano é a coisa que eu mais me orgulho. Foi um momento e juntar tudo: concepções filosóficas, o que eu aprendi na academia, mercado, a visão de mundo das pessoas, foi muito legal! Como se deu isto? Quando a gente assume a Embratur, o ministério é criado e leva consigo tudo o que eram políticas públicas: formação, capacitação, estruturação de destinos, obras, infraestrutura, regras e tal. E a Embratur é uma grande agência de promoção e marketing. Nós começamos a acelerar, o Brasil, naquela época, ia a 10 ou 12 feiras ao ano, passamos a ir a 48; não captava eventos, nós fomos captar eventos, passamos a fazer materiais de promoção de destinos, uma série de coisas nós passamos a fazer. Rapidamente a gente percebeu que a gente estava acelerando um fusquinha, mas a gente precisava de um carro mais consistente para enfrentar uma disputa comercial ‘na ponta da faca’. Uma serie de países concorriam conosco e tinham estruturas muito mais sofisticadas e com recursos muito mais interessantes. Então era preciso criar uma nova estrutura, e para criar uma nova estrutura a gente precisava ter a sustentação teórica, precisamos conceber esta nova estrutura. Nós convidamos para nos orientar um profissional catalão, é obvio o fato e ter passado por lá pesou muito, Barcelona mudou minha vida, a hora que eu fui entender o que era, ver como os caras faziam promoção, desenho, marca, logotipo... Então, convidamos o Josep [Chias], que já faleceu. Claro que eu já sabia que o binômio de promoção era natureza e cultura, só que se eu chegasse e dissesse ‘vai ser isto’ seria mais uma vez um dirigente da Embratur inventando. Falei ‘vamos fazer como se deve’, então nós montamos uma pesquisa que ouviu as dez mais importantes operadoras de Turismo, dos 12 mercados que mais mandavam turistas para o Brasil (Argentina, Estados Unidos, Uruguai, França, Espanha etc.). Eram 10 operadora em cada mercado, cinco vendiam Brasil e cinco não, depois ouvimos 18 mil turistas, uma parte deles no seu país de origem, uma parte deles no Brasil, entrando ou saindo.

Depois ouvimos agentes econômicos no Brasil (agentes, operadoras, profissionais de vários setores), gente que trabalhava com Turismo de luxo, Turismo ecológico, com Turismo de vinícolas, Turismo de lazer, turismo de eventos, o que você puder imaginar. Estas três fontes convergiram para um processo de síntese que indicou os eixos do plano que mostravam claramente natureza e cultura, depois esportes, lazer e grandes eventos; eram os cinco eixos que apareciam primeiro. Mostraram como poderia ser a forma e a cor do Brasil, portanto, as cores e formas de uma marca, mostraram quais eram os temas mais importante e assim foi construído, e ai sai o Plano Aquarela.

Do Plano Aquarela a gente faz um concurso nacional com a APEX, com a Associação dos Designers Gráficos do Brasil [ADG Brasil], aparecem 77 propostas, fizemos uma primeira triagem ficamos com 15, depois com 5, até que a marca final que ganhou é esta que vocês conhecem, e quem desenhou foi o Kiko Farkas, que também é da USP. E esta é a história, e o Plano norteou tecnicamente as ações do Brasil por quinze anos. Cada um dos principais países emissores tinha uma folha com um orçamento: quantas pessoas deste país vieram para o Brasil? Quantas nós poderíamos trazer? Quanto temos que investir? Quem concorre conosco naquele mercado? Quem a gente tem que enfrentar? Por exemplo, como era nos anos 1990 a promoção no Brasil? Qual era a imagem mais conhecida do Brasil? Cristo Redentor. Este símbolo era o mesmo usado na promoção do Brasil em Portugal e em Tóquio. A pesquisa mostrava o que para nós? Que o turista português adora vir a praia. Foi quando nós criamos uma serie de voos direto para o nordeste que não existiam naquela época, voos da TAP. A Varig estava começando a ‘bater lata’, e a TAP começa a fazer os voos, a gente criou todo um programa para liberar isto, reciprocidade etc.

Começamos com os voos Fortaleza-Lisboa, a agente reinventou a geografia. De Fortaleza você saia e vinha a São Paulo, duas a três horas de conexão, [...] antes desta rota você perdia um dia e meio para ir e um dia e meio para voltar. Criamos relações de trabalho novas, emprego acabando, pessoas trabalhando por conta própria. Agora você faz um voo direto aqui, o cara almoçava em Lisboa e jantava em Fortaleza. O que a gente percebe: o consumidor português gosta de ir para a praia, o consumidor japonês não gosta de mostrar o corpo. Em Tóquio, por exemplo, motoristas de taxis e ônibus trabalham de luvas, para não ficarem com a pele queimada de sol, por isto remeter ao trabalho servil no tempo feudal japonês, então há toda uma questão cultural com isto. Por isso, o símbolo em Portugal é praia, Cristo Redentor, Salvador. No Japão é a Amazônia, Pantanal. Estas mudanças, a gente fez... Sabe qual foi o ano em que mais portugueses vieram ao Brasil? 2005. Trezentos e cinquenta mil portugueses estiveram no Brasil, nunca mais nós repetimos este número. Por que? Porque tem gente disputando conosco, não tem espaço vazio na disputa, isto é um mercado, atividade econômica. A hora que o Brasil sai de cena, corta grana, não tem verba, a Embratur perde lá o plano... o Caribe está lá fazendo promoção, o pessoal do outro lado da Espanha, nas ilhas estão fazendo promoção, Austrália, África do Sul, estão todos lá. Não pode parar!

Velozo - Em relação à descontinuidade do Plano Aquarela, há ressentimentos?
Sanovicz – Claro. Eu fiquei muito triste. Se você olhar a Folha de S. Paulo, comecinho de 2019, tem várias declarações minhas na mídia, na Folha tem um destaque onde eu digo o seguinte: ‘se o governo quer descontinuar a marca é um direito, paciência, é um direito dele. Agora, se quer substituir por outra, que o faça de maneira profissional, técnica. Colocar lá “Brazil – visit and love us” com ‘Z’, fora a dubiedade do conceito, remeter de novo a Turismo sexual... O Brasil, méritos aqui ao Caio Carvalho, em 1999, lança uma campanha muito dura para combater o Turismo sexual, que teve continuidade em nosso período, esta certo? E em 2019 eles usam ‘visit and love us’? Eu fiquei muito triste quando isto aconteceu, da mesma forma que fique felicíssimo quando agora o pessoal resolveu voltar. Eu creio que estamos vivendo uma espécie de redenção da promoção turística do Brasil no exterior, o Brasil está de volta. E é incrível, tenho amigos no mundo inteiro, teve agora a feira de Portugal e a feira de Berlin, e vários amigos me ligaram dizendo ‘o Brasil voltou, o Brasil está aqui’. E é legal escutar isto.

Velozo – Gostamos de um bastidor aqui, o senhor já foi cotado para o cargo máximo do Ministério?
Sanovicz – Lá atrás em um certo momento, isto tem muitos anos, houve ‘quem sabe você poderia vir para o Ministério’ [...] mas eu não me vejo como Ministro. Eu fui ministro substituto, algumas vezes o Walfrido tirou férias e eu como presidente da Embratur assumi o Ministério. Mas eu creio que não é um papel que eu desempenharia adequadamente. Eu creio que o ministro do Brasil de hoje, no qual o Congresso Nacional tem um peso enorme no processo decisório, tem que ser alguém que tenha muito peso e respeito por parte do Congresso Nacional. Eu ia virar janta neste negócio, eu não me vejo como ministro, não tenho isto no meu cenário.

Velozo - É inerente ao ser humano a auto avaliação. Quando o Sanovicz olha para diversos momentos da própria trajetória, atuando em diversas frentes, qual o legado que ele espera deixar para o Turismo?
Sanovicz – [suspiro profundo] Eu gostaria que as pessoas relembrassem que eu sempre defendi que o Turismo tem um papel de melhorar a vida das pessoas nas comunidades em que ele ocorre. Que eu sempre procurei construir programas de trabalho, públicos ou privados, nos setores que fossem, que gerassem resultados para quem estivesse relacionado a eles.

Claro que a vida não é tão romântica, existe uma serie de discussões sobre isto. Mas eu vi acontecer em várias cidades a chegada do Turismo requalificar a oferta de produtos e serviços de uma cidade, requalificar a oferta de mão e obra, e fazer com que a cidade passasse a te uma vida econômica que não dependesse de repasse de recursos públicos, a renda dos aposentados ou de trabalho sazonal, o cara sai de lá para o corte de cana [de açúcar] no interior e voltar, vi isto em várias cidades, o Brasil tem vários exemplos. Então eu queria, quando pensarem em mim daqui 25, 30 anos, e forem fazer uma tese qualquer e me cite que... Para mim o Turismo pode e deve ser compreendido como um instrumento de transformação da vida das pessoas, e que isto acontece quando você tiver concepções políticas corretas para entender Turismo, você compreender a história da sociedade, as relações na sociedade, você entender que a vida não é neutra.

Se você optar pelo investimento A, tem uma consequência, pelo programa B tem outra, e se você fizer as opções corretas as pessoas podem ser incluídas e os resultados podem ser compartilhados. Se você fizer as opções incorretas as pessoas serão excluídas e os resultados não serão compartilhados. Eu procurei sempre estar deste lado [o correto], acertei algumas vezes, e obviamente errei em outras.

Velozo – E para finalizar, o que o Eduardo Sanovicz de hoje diria para o Eduardo no primeiro dia de carreira?
Sanovicz – [Gargalhada e longa reflexão] Cara, não sei... ‘Tenha paciência e acredite, vai dar certo’. Eu acho que... eu nunca pensei nisto. O que eu diria hoje aos 63, o que eu diria a mim mesmo aos 33, eu acho que eu diria isto. Estude, tenha paciência, compreenda as pessoas, vai dar certo, vai dar certo.

Quando eu olho para esta minha história eu gosto muito, acho que nestes trinta anos contribui no mercado, na academia, na vida de um monte de gente em vários lugares do País. Tinha cidades que nunca tinham recebido turistas estrangeiros e passaram a ter, eventos internacionais, vários depoimentos, várias coisas que rolaram por ai, então eu gosto. Eu sou feliz com a minha própria história. Gosto da história que vem pela frente, por isto eu gosto da minha vida.

Por isto eu estou lutando tanto para superar esta fase, de quimioterapia, câncer... tudo o que eu quero é daquí 20 anos estar aposentado sentado na praia, vendo gente nova fazer coisas melhores do que eu, isto também me anima muito e é muito importante. Estas equipes todas que trabalharam comigo estão por aí e estão crescendo. Tem gente jovem que na época tinha 20, 30 anos e está com 45 e está assumindo funções importantes e vai fazer melhor, vai fazer muito melhor. Pessoas que já viram problemas serem resolvidos e agora vão enfrentar outros. Então, é sorrir!

Juarez Velozo, especial para o Portal PANROTAS

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