Por que a bagagem "gratuita" encarece passagens aéreas e seria retrocesso?
Apenas Cuba e Coreia do Norte têm uma política de despacho gratuito de bagagem em voos
Maria Izabel Reigada, especial para o Portal PANROTAS
Companhias aéreas, agência reguladora e organismos que defendem os direitos do consumidor receberam com elogios a Medida Provisória 1.089, conhecida como MP do Voo Simples, e suas propostas para modernizar a regulação do setor aéreo. Entre seus pontos principais, está o entendimento de que os serviços aéreos são considerados atividade econômica de interesse público, dispensando diversos procedimentos burocráticos para a operação de companhias no Brasil. Um grande “porém”, no entanto, foi imediatamente colocado pelas companhias aéreas, uma vez que o texto com a nova regulamentação propôs o retorno da proibição de cobrança pelo despacho de uma bagagem de até 23 quilos, nos voos nacionais, e até 30 quilos, nas rotas internacionais.
Praticada desde junho de 2017 no Brasil, a cobrança pelas bagagens despachadas é uma das principais características da segmentação de mercado e prática adotada internacionalmente, com exceção de Cuba e Coreia do Norte. “Essa iniciativa é claramente fruto da incompreensão de como a aviação funciona, ao tentar vender ao País a noção contrária do que se está fazendo, colocando a bagagem no custo de todos os passageiros, uma vez que não há bagagem gratuita”, diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz.
Levada a sanção presidencial, a MP foi transformada na Lei 14.368, com o veto do presidente Jair Bolsonaro ao item que tratava da gratuidade da bagagem, no último dia 15, devendo regressar para análise do Congresso Nacional, que pode derrubar o veto. “Já retomamos nosso trabalho de diálogo com todos os parlamentares, explicando como, na prática, esse retorno encareceria as tarifas, uma vez que esse custo precisaria ser diluído entre todos os passageiros. Deixaríamos de ter a terceira coluna que hoje todas as empresas oferecem no momento de comprar uma passagem, aquela que vem com a tarifa mais barata. É ela que deixaria de existir com essa mudança”, enfatiza Sanovicz.
“Podemos entrar em um período de inflação sem crescimento econômico, a estagflação. A volta da proibição da cobrança de bagagem acentuaria a estagflação, ao forçar o bloqueio no crescimento, colocando mais um custo para a companhia aérea, que terá que repassar isso para o consumidor, que já está com medo de viajar por causa dos impactos da inflação. É a estagflação vista de perto em um setor por causa da regulação”, alerta.
Entre 2002, quanto teve início a liberdade tarifária, e 2016, o tíquete aéreo médio no Brasil foi de R$ 910, com cerca de 30 milhões de passagens emitidas, para R$ 420, em 2016, com 104 milhões de bilhetes naquele ano, segundo dados da Abear. Desde 2017, no entanto, o câmbio teve uma valorização de 60% - e metade dos custos das companhias aéreas é dolarizado – e o querosene de aviação aumentou 220%.
“O Congresso confundiu algo conjuntural com política de precificação”, explica o presidente da Abear, ressaltando que o cenário econômico vivido desde 2017 foi o responsável pela reversão no gráfico de queda no preço dos bilhetes aéreos.
O professor do ITA concorda. “Quando o Brasil inaugurou a cobrança de franquia de bagagem, em 2017, estávamos com o dólar em R$ 3, R$ 3,50, e o barril de petróleo custava US$ 75. Agora o barril está mais de US$ 100 e o dólar, mais de R$ 5. As pressões inflacionárias e de custo fizeram as empresas aéreas perderem a competitividade que seria importante para assegurar a redução de tarifas com a cobrança do despacho.”
Oliveira alerta ainda que a volta da franquia afetaria a entrada de outras empresas aéreas no Brasil, especialmente aquelas do modelo low cost. “As aéreas que são genuinamente de baixo custo devem maximizar a eficiência de suas operações cobrando por todos os itens. A cobrança de tarifa extra é a marca das ultra low cost e nós precisamos desse tipo de empresa no Brasil para fomentar a concorrência, de forma sustentável”, defende.
“A cobrança de bagagem vai no bojo de uma segmentação de mercado que qualquer companhia aérea faz hoje no mundo. A segmentação é maior que a cobrança de bagagem, mas a cobrança é parte importante disso”, explica. “É a segmentação que permite que quem quer comprar passagem bem barata encontre isso. E quem quer a comodidade de despachar bagagem, marcar assento, tem isso também. O setor aéreo sempre foi reconhecido pela baixa rentabilidade e instabilidade de suas empresas. A segmentação possibilita a sustentabilidade do negócio.”
Em nota, a Anac ressaltou que “a eliminação de barreiras regulatórias – como, por exemplo, a desregulamentação da franquia de bagagem despachada e o fim do limite de 20% para participação de estrangeiros no capital com direito da vota de empresas aéreas brasileiras – tende a contribuir para a promoção da concorrência, da eficiência e da inovação, além da entrada de novas empresas aéreas e de novos modelos de negócios no brasil, como o modelo usualmente denominado low cost.”
Na Latam, despachar a primeira bagagem em voos domésticos custa a partir de R$ 75. Na Gol, a primeira mala despachada sai por entre R$ 95 a R$ 140, nas rotas domésticas. Na Azul, as bagagens têm tarifa a partir de R$ 90, também nos voos domésticos.
Para o diretor de Planejamento, Revenue Management e Alianças da Azul, André Mercadante Américo, os custos envolvidos na precificação da bagagem são semelhantes ao das tarifas aéreas, com boa parte deles dolarizados. “Temos um fator de oferta de mercado, adaptado ao comportamento do consumidor, mas também temos custos fixos, como o querosene de aviação e o câmbio”, diz o diretor. “Há pouca margem de manobra e os reajustes acompanham, principalmente, variações cambiais”, acrescenta. “Na prática, não dá para saber exatamente o custo de uma bagagem em trechos curtos ou longos, por exemplo, então a taxa vem de um rateio global”, completa.
Para Américo, não há sentido na volta de um modelo de franquia gratuita de bagagem. “Sabemos que não existe essa gratuidade. O que acontecia no modelo antigo é que todos os passageiros pagavam pelo despacho, usufruindo ou não desse serviço. Hoje, podemos ter preços bem mais acessíveis para o passageiro que não quer utilizar esse serviço, bem como para aqueles que não precisam marcar assento.” Segundo dados da Abear, entre 60% e 65% dos passageiros que voam em rotas domésticas não despacham bagagem no Brasil.
Procurada pela reportagem, a Gol não respondeu aos pedidos de entrevista, assim como o Procon-SP.
Magda lembra que, embora a cobrança de bagagens despachadas não tenha representado uma redução no preço das tarifas, em 2017, quando ocorreu, possivelmente fosse verificado um aumento agora, no novo cenário, com a volta ao antigo modelo.
1 – Contraria o interesse público, uma vez que, na prática, aumentaria os custos dos serviços aéreos e o risco regulatório, o que reduziria a atratividade do mercado brasileiro a potenciais novos competidores, contribuindo para a elevação dos preços das passagens;
2 – Em todos os mercados desenvolvidos, o transporte de bagagem consiste em uma contratação acessória ao contrato de transporte de passageiro, incumbindo ao consumidor o serviço que quer escolher;
3 – Obrigaria o passageiro que não despacha bagagem a arcar com o custo do transporte das bagagens de outros passageiros;
4 – Acabaria por incentivar os passageiros a levarem mais bagagem, o que aumentaria o peso da aeronave e, consequentemente, o consumo de combustível. As empresas teriam ainda menos espaço para transportar cargas expressas, o que poderia impactar negativamente as receitas;
5 – É obstáculo ao desenvolvimento da aviação regional, que utiliza aeronaves menores, que não comportam o transporte de bagagens de até 23 kg para todos os passageiros;
6 – Poderia acarretar questionamentos e prejuízos a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Se a nova regra fosse adiante, poderia impactar a acessão do Brasil à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma vez que a exigência de franquia de bagagem poderia representar uma ação de não conformidade aos valores e padrões da organização, já que nenhum dos países membros adotam algo similar.
7 – Possiblidade de impactos operacionais e insegurança jurídica, uma vez que as empresas comercializam bilhetes com até 12 meses de antecedência.
Definida como aérea ultra low cost, a Viva tem tarifa a partir de US$ 129 na rota São Paulo-Medelín e cobra por todos os serviços extras. Questionada sobre o retorno da franquia de bagagem gratuita, caso o veto presidencial seja derrubado pelo Congresso, o VP da empresa mostra preocupação. “Estamos acompanhando de perto as decisões do governo brasileiro. Temos que ser claros, não existe bagagem de graça. Se um decreto faz isso, significa que haverá impacto nas tarifas aéreas”, diz. “Em nosso caso, isso pode ser de até 30% a mais nos custos da passagem.”
Para ele, apresentar o modelo da companhia ao mercado brasileiro é o maior desafio da companhia neste momento. “É importante que o passageiro conheça as possibilidades que têm de viajar a baixo custo, sabendo que o planejamento é fundamental e que os preços no aeroporto sempre serão mais caros que a compra na página web ou na agência de viagens”, avisa.
Pesquisador do tema, o professor do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Alessandro Oliveira, lembra que o Risco Brasil é o primeiro fator a prejudicar a entrada de mais empresas aéreas no País. “Você vê que a regulação pode sofrer interferência a qualquer momento, como estamos vendo agora, por questões políticas. Risco regulatório, dentro do Risco Brasil, acrescido da alta tributação, dos preços do combustível e da vulnerabilidade nas bolsas de valores são desafios sérios para a chegada de outras empresas”, avalia.
Ele alerta ainda para o risco do aumento de judicialização do setor aéreo, diante dos novos debates sobre franquia de bagagem. “A volta do debate gera instabilidade na interpretação do que pode e não pode. A assimetria de informação pode ter um efeito transitório com mais atrito entre demanda e oferta, o que não é bom. A gente quer as regras claras e a Anac está aí para isso, evitando judicializar o setor”, acrescenta. “É importante evitar mudanças regulatórias para que o passageiro não se sinta lesado à toa. Não podemos ficar perturbando essa relação empresa e consumidor a todo instante.”
Companhias aéreas, agência reguladora e organismos que defendem os direitos do consumidor receberam com elogios a Medida Provisória 1.089, conhecida como MP do Voo Simples, e suas propostas para modernizar a regulação do setor aéreo. Entre seus pontos principais, está o entendimento de que os serviços aéreos são considerados atividade econômica de interesse público, dispensando diversos procedimentos burocráticos para a operação de companhias no Brasil. Um grande “porém”, no entanto, foi imediatamente colocado pelas companhias aéreas, uma vez que o texto com a nova regulamentação propôs o retorno da proibição de cobrança pelo despacho de uma bagagem de até 23 quilos, nos voos nacionais, e até 30 quilos, nas rotas internacionais.
Praticada desde junho de 2017 no Brasil, a cobrança pelas bagagens despachadas é uma das principais características da segmentação de mercado e prática adotada internacionalmente, com exceção de Cuba e Coreia do Norte. “Essa iniciativa é claramente fruto da incompreensão de como a aviação funciona, ao tentar vender ao País a noção contrária do que se está fazendo, colocando a bagagem no custo de todos os passageiros, uma vez que não há bagagem gratuita”, diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz.
Levada a sanção presidencial, a MP foi transformada na Lei 14.368, com o veto do presidente Jair Bolsonaro ao item que tratava da gratuidade da bagagem, no último dia 15, devendo regressar para análise do Congresso Nacional, que pode derrubar o veto. “Já retomamos nosso trabalho de diálogo com todos os parlamentares, explicando como, na prática, esse retorno encareceria as tarifas, uma vez que esse custo precisaria ser diluído entre todos os passageiros. Deixaríamos de ter a terceira coluna que hoje todas as empresas oferecem no momento de comprar uma passagem, aquela que vem com a tarifa mais barata. É ela que deixaria de existir com essa mudança”, enfatiza Sanovicz.
Para o professor do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Alessandro Oliveira, a volta do modelo de franquia gratuita de bagagem neste momento poderia acentuar o cenário econômico de estagflação, quando há inflação com estagnação econômica. “Estamos em um momento de busca da retomada do crescimento após a pandemia. No transporte aéreo internacional, se imagina um bom crescimento, mas isso vem concomitante com o risco de inflação forte mundo afora”, avalia.
“Podemos entrar em um período de inflação sem crescimento econômico, a estagflação. A volta da proibição da cobrança de bagagem acentuaria a estagflação, ao forçar o bloqueio no crescimento, colocando mais um custo para a companhia aérea, que terá que repassar isso para o consumidor, que já está com medo de viajar por causa dos impactos da inflação. É a estagflação vista de perto em um setor por causa da regulação”, alerta.
TARIFAS AÉREAS ALTAS
A deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), responsável pela inclusão do tema da franquia de bagagem na Medida Provisória, defendeu a retomada do modelo antigo alegando que “os parlamentares foram enganados ao permitir a cobrança em nome da redução nas tarifas, que não ocorreu”.Entre 2002, quanto teve início a liberdade tarifária, e 2016, o tíquete aéreo médio no Brasil foi de R$ 910, com cerca de 30 milhões de passagens emitidas, para R$ 420, em 2016, com 104 milhões de bilhetes naquele ano, segundo dados da Abear. Desde 2017, no entanto, o câmbio teve uma valorização de 60% - e metade dos custos das companhias aéreas é dolarizado – e o querosene de aviação aumentou 220%.
“O Congresso confundiu algo conjuntural com política de precificação”, explica o presidente da Abear, ressaltando que o cenário econômico vivido desde 2017 foi o responsável pela reversão no gráfico de queda no preço dos bilhetes aéreos.
O professor do ITA concorda. “Quando o Brasil inaugurou a cobrança de franquia de bagagem, em 2017, estávamos com o dólar em R$ 3, R$ 3,50, e o barril de petróleo custava US$ 75. Agora o barril está mais de US$ 100 e o dólar, mais de R$ 5. As pressões inflacionárias e de custo fizeram as empresas aéreas perderem a competitividade que seria importante para assegurar a redução de tarifas com a cobrança do despacho.”
Oliveira alerta ainda que a volta da franquia afetaria a entrada de outras empresas aéreas no Brasil, especialmente aquelas do modelo low cost. “As aéreas que são genuinamente de baixo custo devem maximizar a eficiência de suas operações cobrando por todos os itens. A cobrança de tarifa extra é a marca das ultra low cost e nós precisamos desse tipo de empresa no Brasil para fomentar a concorrência, de forma sustentável”, defende.
“A cobrança de bagagem vai no bojo de uma segmentação de mercado que qualquer companhia aérea faz hoje no mundo. A segmentação é maior que a cobrança de bagagem, mas a cobrança é parte importante disso”, explica. “É a segmentação que permite que quem quer comprar passagem bem barata encontre isso. E quem quer a comodidade de despachar bagagem, marcar assento, tem isso também. O setor aéreo sempre foi reconhecido pela baixa rentabilidade e instabilidade de suas empresas. A segmentação possibilita a sustentabilidade do negócio.”
Em nota, a Anac ressaltou que “a eliminação de barreiras regulatórias – como, por exemplo, a desregulamentação da franquia de bagagem despachada e o fim do limite de 20% para participação de estrangeiros no capital com direito da vota de empresas aéreas brasileiras – tende a contribuir para a promoção da concorrência, da eficiência e da inovação, além da entrada de novas empresas aéreas e de novos modelos de negócios no brasil, como o modelo usualmente denominado low cost.”
QUANTO CUSTA A BAGAGEM?
Em abril, as empresas aéreas reajustaram os preços para despacho de bagagens, o que levou a Fundação Procon-SP a notificá-las, pedindo esclarecimentos sobre os itens que compõem o valor da taxa. Na ocasião, a Latam enviou nota esclarecendo que “a vulnerabilidade externa em função da guerra na Ucrânia impacta diretamente no preço do petróleo e, consequentemente, na alta do preço do querosene de aviação (QAV) e nos custos da empresa.” A nota afirmava ainda que, diante da imprevisibilidade da crise, “a empresa precisou fazer algumas alterações em voos programados para os próximos meses e postergar o lançamento de novas rotas, cenário que impacta em aumento de preços das passagens e serviços adicionais da ordem de 25% a 30%.”Na Latam, despachar a primeira bagagem em voos domésticos custa a partir de R$ 75. Na Gol, a primeira mala despachada sai por entre R$ 95 a R$ 140, nas rotas domésticas. Na Azul, as bagagens têm tarifa a partir de R$ 90, também nos voos domésticos.
Para o diretor de Planejamento, Revenue Management e Alianças da Azul, André Mercadante Américo, os custos envolvidos na precificação da bagagem são semelhantes ao das tarifas aéreas, com boa parte deles dolarizados. “Temos um fator de oferta de mercado, adaptado ao comportamento do consumidor, mas também temos custos fixos, como o querosene de aviação e o câmbio”, diz o diretor. “Há pouca margem de manobra e os reajustes acompanham, principalmente, variações cambiais”, acrescenta. “Na prática, não dá para saber exatamente o custo de uma bagagem em trechos curtos ou longos, por exemplo, então a taxa vem de um rateio global”, completa.
Para Américo, não há sentido na volta de um modelo de franquia gratuita de bagagem. “Sabemos que não existe essa gratuidade. O que acontecia no modelo antigo é que todos os passageiros pagavam pelo despacho, usufruindo ou não desse serviço. Hoje, podemos ter preços bem mais acessíveis para o passageiro que não quer utilizar esse serviço, bem como para aqueles que não precisam marcar assento.” Segundo dados da Abear, entre 60% e 65% dos passageiros que voam em rotas domésticas não despacham bagagem no Brasil.
PASSO PARA TRÁS
Durante o Fórum PANROTAS 2022, em 22 de junho, o CEO da Latam Airlines Brasil, Jerome Cadier, comentou sobre o tema. "Acredito que ainda existe o risco do veto ao despacho gratuito de bagagem ser derrubado no Congresso, o que seria um passo para trás impressionante nesse País. O impacto negativo disso é incalculável. O que vimos é quase uma revanche contra o setor pelo aumento das passagens. Eles não entendem como isso prejudica o Brasil, prejudica a atratividade para novas empresas e demonstra volatilidade das regras. Torço para que exista uma voz mais inteligente nessa discussão. A aviação vai crescer de forma muito mais devagar por causa dessa medida. É irrisório que uma decisão pontual em 2016 vai definir o preço das passagens, ainda mais com a sequência de situações que rolou desde então."Procurada pela reportagem, a Gol não respondeu aos pedidos de entrevista, assim como o Procon-SP.
AGÊNCIAS DE VIAGENS
Para a presidente da Abav Nacional, Magda Nassar, a questão não tem impactos diretos para os agentes de viagens, tampouco no desejo de viajar dos consumidores. “Hoje o custo das viagens já é tão alto que o percentual das bagagens se tornou pequeno em um bilhete aéreo, especialmente nas viagens nacionais. Isso é uma tendência mundial e temos muito passageiros em viagens a trabalho ou mesmo em finais de semana, viagens curtas, que não levam bagagem e realmente não devem pagar por algo que não utilizam”, defende.Magda lembra que, embora a cobrança de bagagens despachadas não tenha representado uma redução no preço das tarifas, em 2017, quando ocorreu, possivelmente fosse verificado um aumento agora, no novo cenário, com a volta ao antigo modelo.
“Acredito que o Brasil deva acompanhar o mundo nesse tema. Os preços são voláteis, há muitos fatores envolvidos na precificação do bilhete aéreo e acho que a bagagem ganha um processo mais transparente com a cobrança separada", comenta a presidente da Abav Nacional.
ARGUMENTOS DO VETO PRESIDENCIAL
No texto que cria a Lei 14.368, em substituição à MP do Voo Simples, o presidente Jair Bolsonaro listou as razões para o veto em relação à franquia gratuita de bagagem.1 – Contraria o interesse público, uma vez que, na prática, aumentaria os custos dos serviços aéreos e o risco regulatório, o que reduziria a atratividade do mercado brasileiro a potenciais novos competidores, contribuindo para a elevação dos preços das passagens;
2 – Em todos os mercados desenvolvidos, o transporte de bagagem consiste em uma contratação acessória ao contrato de transporte de passageiro, incumbindo ao consumidor o serviço que quer escolher;
3 – Obrigaria o passageiro que não despacha bagagem a arcar com o custo do transporte das bagagens de outros passageiros;
4 – Acabaria por incentivar os passageiros a levarem mais bagagem, o que aumentaria o peso da aeronave e, consequentemente, o consumo de combustível. As empresas teriam ainda menos espaço para transportar cargas expressas, o que poderia impactar negativamente as receitas;
5 – É obstáculo ao desenvolvimento da aviação regional, que utiliza aeronaves menores, que não comportam o transporte de bagagens de até 23 kg para todos os passageiros;
6 – Poderia acarretar questionamentos e prejuízos a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Se a nova regra fosse adiante, poderia impactar a acessão do Brasil à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma vez que a exigência de franquia de bagagem poderia representar uma ação de não conformidade aos valores e padrões da organização, já que nenhum dos países membros adotam algo similar.
7 – Possiblidade de impactos operacionais e insegurança jurídica, uma vez que as empresas comercializam bilhetes com até 12 meses de antecedência.
OS DESAFIOS DE OPERAR NO BRASIL
Com três voos semanais entre São Paulo e Medelín e conexão para mais de dez destinos a partir do hub colombiano, a empresa aérea Viva estreou no Brasil no mês passado com desempenho positivo. “A ocupação na rota de São Paulo está mais alta que nossa expectativa e as vendas para os próximos meses também”, conta o vice-presidente de Operações, Francisco Lalinde.Definida como aérea ultra low cost, a Viva tem tarifa a partir de US$ 129 na rota São Paulo-Medelín e cobra por todos os serviços extras. Questionada sobre o retorno da franquia de bagagem gratuita, caso o veto presidencial seja derrubado pelo Congresso, o VP da empresa mostra preocupação. “Estamos acompanhando de perto as decisões do governo brasileiro. Temos que ser claros, não existe bagagem de graça. Se um decreto faz isso, significa que haverá impacto nas tarifas aéreas”, diz. “Em nosso caso, isso pode ser de até 30% a mais nos custos da passagem.”
O VP da Viva explica que esse aumento ocorreria por conta do modelo de negócios da empresa. “Quando a bagagem é gratuita, você não sabe quais passageiros chegarão ou não com bagagem no check-in, precisando repassar esse custo a todos eles. No nosso modelo, o planejamento da viagem é fundamental. Com esse retrocesso, o passageiro não pode selecionar os serviços que precisa para sua viagem”, diz.
Para ele, apresentar o modelo da companhia ao mercado brasileiro é o maior desafio da companhia neste momento. “É importante que o passageiro conheça as possibilidades que têm de viajar a baixo custo, sabendo que o planejamento é fundamental e que os preços no aeroporto sempre serão mais caros que a compra na página web ou na agência de viagens”, avisa.
Pesquisador do tema, o professor do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Alessandro Oliveira, lembra que o Risco Brasil é o primeiro fator a prejudicar a entrada de mais empresas aéreas no País. “Você vê que a regulação pode sofrer interferência a qualquer momento, como estamos vendo agora, por questões políticas. Risco regulatório, dentro do Risco Brasil, acrescido da alta tributação, dos preços do combustível e da vulnerabilidade nas bolsas de valores são desafios sérios para a chegada de outras empresas”, avalia.
Ele alerta ainda para o risco do aumento de judicialização do setor aéreo, diante dos novos debates sobre franquia de bagagem. “A volta do debate gera instabilidade na interpretação do que pode e não pode. A assimetria de informação pode ter um efeito transitório com mais atrito entre demanda e oferta, o que não é bom. A gente quer as regras claras e a Anac está aí para isso, evitando judicializar o setor”, acrescenta. “É importante evitar mudanças regulatórias para que o passageiro não se sinta lesado à toa. Não podemos ficar perturbando essa relação empresa e consumidor a todo instante.”