Filip Calixto   |   29/05/2023 11:04
Atualizada em 29/05/2023 15:32

Crescimento sustentável: os objetivos da Abear com sua nova presidente

Jurema Monteiro conta seus planos para a nova gestão da principal associação do setor aéreo no Brasil


PANROTAS / Filip Calixto
Jurema Monteiro está dentro da estrutura Abear há mais de sete anos
Jurema Monteiro está dentro da estrutura Abear há mais de sete anos
No começo de maio, quando a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) veio à público comunicar que seu presidente desde a fundação, Eduardo Sanovicz, deixaria o exercício da função, rumo à liderança do Conselho Deliberativo da associação, não houve espaço para especulações ou projeções a respeito de quem ocuparia sua cadeira.

O anúncio veio acompanhado de um complemento considerado natural para quem vive o cotidiano da organização. Jurema Monteiro, então diretora de Relações Institucionais, foi de imediato nomeada nova presidente e passou a dar cara repaginada para a associação que, desde 2012, representa a principal voz do setor aéreo no País.

"Passo hoje a presidência da Abear a Jurema Monteiro (...), que conta com meu entusiasmado apoio e minha confiança e que terá em mim, em meu novo papel de presidente executivo do Conselho Deliberativo, um parceiro sempre presente", escreveu já ex-presidente na carta em que oficializa sua mudança de atribuição dentro da organização.

Mais que a declaração protocolar no comunicado em que avisou sua saída, Sanovicz voltou dias depois a falar sobre a substituição, lembrando que a construção de carreira e os mais de sete anos dentro da entidade davam à nova presidente totais condições de exercer a função.

A nova líder da Abear é bacharel em Turismo, tem especialização em Comunicação e mestrado em Turismo, na área de cocriação de experiências; além de ser presidente da Seção V de Transporte Aéreo de Cargas e de Passageiros pela Confederação Nacional do Transporte. Em sua vida profissional, ela passou ainda pelas áreas de Comunicação e Marketing em agências de viagens e operadoras de Turismo, além de atuar na Embratur e Ministério do Turismo, em projetos que conectam políticas públicas e iniciativa privada, com foco na promoção e comercialização de destinos turísticos.

"Estamos há dois anos discutindo o processo sucessório e, desde então, ela vem sendo preparada para assumir no meu lugar. A decisão foi por unanimidade, todas as empresas associadas apoiaram. Eu estou super feliz de passar a presidência de uma entidade que representa um dos setores econômicos mais relevantes do País para uma mulher negra. Diria que, para mim, essa sucessão é um manifesto de como entendo que deve ser o futuro do planeta", afirmou Sanovicz em recente entrevista ao Portal PANROTAS.

Divulgação
A dupla Eduardo Sanovicz e Jurema Monteiro, trabalhou em parceria na Abear e na Embratur
A dupla Eduardo Sanovicz e Jurema Monteiro, trabalhou em parceria na Abear e na Embratur
A despeito da relação profissional que os dois têm há mais de década, desde que trabalharam juntos na Embratur, o ex-presidente faz questão de citar o fator simbólico intrínseco à nomeação de sua sucessora. Jurema é uma mulher de pele preta que ascende à posição de liderança em um setor que ainda é predominantemente masculino e branco. "E ainda sou mãe de dois", acrescenta a nova presidente, citando Janaína e Jorge, de 12 e 10 anos, respectivamente, como sua grande obra fora do Turismo e da aviação.

"Que bom que a vida nos permite ter essa possibilidade. De olhar de perto e perceber que a diversidade é sim um elemento importante para construirmos um País e um mundo diferente. Considero este um momento positivo pelo que ele representa para o nosso setor, para a Abear e para tanta gente que se espelha nessas condições, de ser mulher, de ser preta, de ser mãe. Não acordo pensando em inspirar ninguém mas ficarei muito feliz se isso ocorrer", pondera.

Jurema conversou com a reportagem do Portal PANROTAS em um dos seus momentos na capital paulista, na sede da organização. Ela tem dividido seu calendário entre São Paulo, onde estão as principais sedes de atuação da Abear, e Brasília, perto da articulação política, onde está mais uma faceta do seu trabalho.

"Em São Paulo está nosso escritório principal, as sedes das companhias que representamos e muitos compromissos. Mas em Brasília está a negociação para muitos dos nossos objetivos mais importantes. Nos últimos dias, inclusive, trabalhamos muito com foco na MP [Medida Provisória n° 1147/2022, em seu artigo 2°] que zerou as alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas do transporte regular de passageiros", conta.

A interlocução política, contudo, é só mais um item em uma lista de objetivos que Jurema escolheu para cumprir na base de sua gestão. "Temos o desafio agora de olhar para o setor aéreo já com a perspectiva daquilo que os próximos anos nos reservam e questões que já estavam na agenda, mas com menor evidência, vão ganhar mais força e tração. Um exemplo é a agenda de sustentabilidade, que a Abear cuidou nos últimos anos, inclusive com a discussão de um programa de redução de emissões, mas agora tende a se consolidar com mais força", aponta.

"Temos também outros compromissos para ser continuados como o trato das informações com seriedade e transparência naquilo que fazemos. Resumindo, nossa agenda prioritária é crescer, de maneira estruturada, sustentável e permanente", sustenta.

Quando fala em crescimento, a executiva reforça que está se referindo a aumentos em todos os âmbitos. O que inclui ter mais viajantes circulando pelo País, mais companhias operando em mais rotas, mais voos em aeroportos mais eficientes e mais destinos atendidos.

DESAFIOS E MISSÕES
Para alcançar os objetivos almejados, segundo Jurema, a associação não pode deixar de contextualizar o momento que vive e os desafios atrelados a ele. A executiva recorda que o cenário de pandemia afetou além de sociedades, os mais diferentes mercados e a aviação foi atingida frontalmente. "De repente, as empresas pararam de voar, deixaram de ter receita e continuavam com custo instalado (aluguel de aeronaves - que é o leasing - folha de pagamento de tripulantes e muito mais)", lembra.

Esse impacto, segundo conta ela, foi suficientemente danoso para fechar 60 companhias aéreas pelo mundo, mas nenhuma no Brasil, mesmo em um contexto de ausência de apoio e incentivo financeiro oriundo do Estado.

"Temos aqui no Brasil um setor aéreo muito resiliente e eficiente para enfrentar crises como foi o caso da pandemia. Em países de força no setor aéreo, como os Estados Unidos, por exemplo, cerca de US$ 50 bilhões foram investidos nas companhias aéreas. Aqui isso não aconteceu. O segmento não recebeu nenhum subsídio e mesmo assim resistiu", crava.

PANROTAS / Filip Calixto
Nascida e criada no interior paulista, Jurema escolheu o Turismo como carreira para ampliar seus horizontes e conhecer novas realidades
Nascida e criada no interior paulista, Jurema escolheu o Turismo como carreira para ampliar seus horizontes e conhecer novas realidades
Toda essa conjuntura, de acordo com a presidente da Abear, fez com que as empresas trabalhassem até agora para reequilibrar suas contas e colocar a casa em ordem. Virada a página, as companhias ainda trabalham para reparar perdas. "A agenda dessas empresas hoje ainda é voltada para a redução de custos e recuperação de níveis que existiam em 2019, de maneira a retomar condições que permitam haver crescimento novamente", diz.

E para que o caminho volte a ficar sem turbulências, algumas conquistas são desejadas pela Abear e pelas nove companhias signatárias. Entre elas estão a melhora das condições tributárias, o aprimoramento dos equipamentos ligados ao setor e mais ações conjuntas, seja com outros players da indústria de viagens ou com o próprio poder público. Todos esses anseios, contudo, passam, segundo a executiva, pela conquista da previsibilidade no cenário e no ambiente que circula a atividade.

"Temos que focar em medidas que nos permitam melhor previsibilidade e melhorem o ambiente de custos. Toda a questão tributária é sensível. O País hoje está discutindo novamente uma reforma tributária que atinja todos os setores e estamos olhando isso com atenção", garante.

FIM DO PIS/COFINS SOBRE RECEITA DO TRANSPORTE
Na busca por um orçamento melhor definido, a Abear comemorou com ênfase a aprovação, em Plenário do Senado Federal, do artigo 2° da Medida Provisória nº 1.147/2022, que desde o início de 2023 zerou as alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas do transporte regular de passageiros. O texto seguiu para sanção presidencial e, caso receba assinatura de Lula, valerá até 2026, pelo menos.

"Celebramos bastante essa aprovação pois quando falamos de retomar e fazer crescer o setor, estamos conversando sobre recuperar condições de custo que o Brasil já teve e que nos permitiram saltar de 30 milhões para 100 milhões de passageiros. Essa MP desonera o setor diminuindo o custo tributário que as empresas têm hoje em dia e em um período que dura até 2026. Então ela ajuda essas empresas a ter previsibilidade na operação. Não é uma resolução de todos os problemas mas traz alívio de caixa e isso permite às empresas a se organizarem melhor", elucida a presidente da Abear.

REDUZIR O ICMS É SOLUÇÃO?
Outra ferramenta que, do ponto de vista da Abear, tem sido bem empregada para fomentar o setor é um movimento de gestores estaduais que entenderam que diminuindo a alíquota do ICMS sobre combustível da aviação poderiam ter mais voos em suas regiões. Uma série de estados adotou a medida e hoje os acordos, segundo a associação, já são realizados diretamente entre companhia e governo estadual, em negociações individuais.

PANROTAS / Filip Calixto
A nova presidente da Abear tem como principal objetivo trabalhar pelo crescimento e expansão da aviação no Brasil
A nova presidente da Abear tem como principal objetivo trabalhar pelo crescimento e expansão da aviação no Brasil
No exemplo mais conhecido da política, o então governador paulista João Doria Jr. diminuiu de 25% para 12% a alíquota do imposto. A medida permitiu a ampliação de 700 novos voos no Estado mensalmente e foi prorrogada pelo sucessor de Doria.

"Sem dúvida este é um bom exemplo de estratégia que serviu para ampliar o alcance do setor. Mais uma vez, quando falamos de ambiente as despesas, estamos falando de diminuir o peso de cada um dos itens que compõem o custo do setor e o que compõem este custo", aponta a nova gestora da Abear. "E o Brasil é um dos poucos países no mundo, se é que não é o único, em que há incidência de ICMS. São Paulo tinha a maior alíquota de ICMS do País (25%), e a sensibilidade do governo do Estado trouxe a possibilidade de dialogar e construir um acordo para a redução. Havendo condições, as empresas podem oferecer mais voos, o que é o interesse de todo mundo", complementa.

O QUE ESTÁ AO REDOR DA AVIAÇÃO
A eficiência de toda a cadeia da aviação é mais uma busca incessante da nova presidente da Abear. E nessa equação, os aeroportos, sejam públicos ou concedidos estão contabilizados. "No fim, o que importa é que o aeroporto tenha uma boa administração, que a experiência do passageiro seja boa e que haja custos equilibrados", teoriza Jurema quando perguntada sobre o movimento de privatização dos aeroportos brasileiros.

A executiva lembra que há exemplos de boa gestão nos dois tipos de complexos aeroportuários. Sendo assim, não há regra sobre qual deles será melhor aproveitado. "Tivemos, sim, exemplos muito bem sucedidos de privatizações aeroportuárias no Brasil, mas não é uma regra. O importante é ter gestão eficiente."

Ainda considerando o contexto e o que pode contribuir para o segmento, Jurema lembra de outros players do Turismo e afirma que a união de empresas e entidades pode fazer a diferença para um movimento de crescimento coletivo. Mais uma vez lembrando da pandemia, a executiva conta que no auge da crise, muitos representantes do Turismo se uniram na formação do G20, que entre outras coisas, foi fundamental para a criação do Perse.

"A dor era comum e a gente precisava se aproximar mais para se ajudar. Houve a constituição de um grupo que se uniu bastante e até hoje é bem ligado. A força desse grupo tem que ser mantida", afirma.

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